sexta-feira, agosto 03, 2007

SENTIMENTO DE BRUNA

Todo santo dia, bem cedo pela manhã, Bruna Castelo Branco senta-se diante de seu computador e aceita o desafio de remover a neve da folha de papel. Ainda que, nesse caso, a “folha” tenha sido arquitetada pelo gênio humano.
Hoje, porém, algo inédito aconteceu. Com toda a página em branco à sua disposição, ela não conseguia dar à luz sua crônica. Ela concordava com Jô Soares: escrever é parir sem ser mãe. No que dizia respeito a Bruna, havia uma complicação muito séria em seu parto literário.
Entre aqueles que diariamente praticam a feitiçaria da escrita, muitos há que, durante algum tempo - se muito ou pouco, aí só os búzios podem responder -, perdem o contato com a estranha potência das palavras. Vejam vocês o meu exemplo: depois que a minha mãe faleceu, eu me vi incapaz de começar um romance cujo protagonista deveria ser o mar.
Um mar sem princípio nem fim. Um mar semelhante ao amor em que, para todo o sempre, está ancorado o coração de Bruna. Mas hoje o mar desse amor encontrava-se revolto. Por isso ela não conseguia escrever. O sentimento não estava no lugar certo. Encontrava-se na terra em que a humanidade se deixa atormentar pela solidão. Um lugar úmido, assustador e triste, no qual a esperança é uma casa de areia.
Desligou o computador. O gosto salgado de suas lágrimas pegou-a de surpresa. Então, enfim a vida lhe mostrou como era agridoce o sabor da saudade. E que as lágrimas também podem ser ingredientes da ausência.
No dia anterior, ela e o namorado discutiram feio. Bruna, ao recordar a briga, lamentou muito que tenha se originado a partir de uma prosaica discussão sobre quem torcia para o melhor time. Bruna desafiou o namorado a provar que o Comerciário era o melhor time do país. Ele perguntou a ela por que achava que o Santa Quitéria era um time “fabuloso”. Nada mais infantil e, por isso mesmo, nada mais absurdo.
Nenhum dos dois saberia explicar, se questionados, como ou por que o assunto mudou do vinho para o vinagre. Do futebol, passaram a apontar os pecados que cada um cometeu ao longo do relacionamento. Até que ofensas e acusações injustas, capazes de magoar e partir até o coração mais calejado, declararam o fim do combate. Antes de ir embora, ela disse que, “desse jeito, não dá”.
- “Desse jeito, não dá” - ela repetiu a si mesma. Suspirou. Sentia-se tola. Estúpida. Em seu quarto, a solidão regia sua melodia feita de sons pesados e negros.
Olhou para o relógio na parede. Estava na hora de tomar banho. Seu trabalho no jornal não se importava nem um pouco com seu bloqueio ou com seu coração, que perdera as asas e, talvez, nunca mais se libertasse do desencanto.
- “Desse jeito, não dá”. Não parava de repetir a tolice, enquanto a água fria espantava os últimos vestígios do sono. Pensou em telefonar para ele antes de sair de casa. Sim, daria o braço a torcer e pediria desculpas. Ele também errou, mas se dissesse isso, voltariam a trocar acusações, agressões e grosserias. A situação não sairia da estaca zero, e provavelmente Bruna chegaria na redação do jornal com os olhos vermelhos.
Voltou para o quarto. Era a imagem do desânimo. Abriu o guarda-roupa. Nesse momento, ouviu a campainha. Pensou que fosse o motorista do jornal. O chefe de reportagem lhe disse que deveria sair de casa direto para a primeira pauta do dia. Mais uma matéria sobre a dengue hemorrágica. Seu namorado trabalha à tarde e à noite. E não tem o costume de acordar cedo. A campainha de novo. Sem pressa, ela vestiu-se. Em seguida, reuniu o material de que precisava e caminhou até a porta. Abriu-a... e não conseguia acreditar.
Era ele. Ajustara o despertador para as primeiras horas da manhã. Há sempre uma primeira vez para tudo. Queria ver a luz do amor brilhar nos olhos da mulher que ama e pela qual é amado. Queria também pedir desculpas. Mas isso ficou para depois de um exemplo típico desses beijos nada técnicos de novela da Globo. Porque todo mundo merece um final feliz.

Um comentário:

Bruna Castelo Branco disse...

Que legal Ney, bacana servir de inspiração para um texto tão bem escrito. Deixo claro, eu não brigaria nunca pelo Santa Quitéria...quem sabe pela novela das oito ( se for um assunto de futilidade)
beijos