segunda-feira, agosto 27, 2007

TODA NUDEZ SERÁ ABENÇOADA

Há uma semana, finalmente terminei a leitura de Os cadernos de Don Rigoberto, romance de Mario Vargas Llosa. Eis o comentário da editora Planeta DeAgostini, que está na contracapa do volume: “Don Rigoberto é um metódico corretor de seguros cin-qüentão, com uma vida imaginária riquíssima. Ele, a bela Lucrecia – sua segunda mu-lher – e o menino Fonchito, nascido do primeiro casamento, formam o que o autor de-nomina ‘uma insólita família feliz’. São também os protagonistas de um desfiar de fábu-las eróticas e fantasias que Don Rigoberto anota em seus Cadernos durante as noites de insônia. Nelas, bem como nos textos analíticos ali presentes – por exemplo, sobre ques-tões estéticas da literatura e das artes plásticas -, a arte de amar é examinada em suas formas mais variadas e profundas, em seus níveis estéticos mais refinados”.
Um desses textos analíticos encontra-se na página 229 e o título é justamente o mote desta crônica: “Carta ao leitor de Playboy ou Tratado mínimo de estética”. Sou colecionador assíduo de Playboy desde 2002. Após ler atentamente a carta de Rigoberto, fiquei impressionado com a violência flagrante na crítica do autor. Mas é melhor deixar que vocês formem opiniões próprias a respeito.
Assim começa a carta: “Sendo o erotismo a humanização inteligente e sensível do amor físico, e a pornografia, seu barateamento e degradação, acuso-o, senhor leitor de Playboy ou Penthouse, freqüentador de antros que exibem filmes pornôs hard e de sex-shops onde se compram vibradores elétricos, consolos de borracha e camisinhas com crista de galo ou mitras arcebispais, de contribuir para que o atributo mais eficaz concedido ao homem e à mulher a fim de se assemelharem aos deuses (pagãos, claro, que não eram castos nem suscetíveis em questões sexuais como o que conhecemos) retorne veloz à mera cópula animal”.
O sujeito não quer saber de brincadeira. Mas no segundo parágrafo ele, que tanto cospe na moral sexual alheia que considera equivocada, mostra que é também roupa suja do mesmo balaio. Afinal de contas, no seu entendimento, a “finada e respeitabilís-sima” estadista de Israel, Golda Meir, e a “austera senhora” Margaret Thatcher, do Rei-no Unido (“que enquanto foi primeira-ministra nunca teve um cabelo que saiu do lu-gar”), são muito mais “fontes de sogreguidões eróticas” do que, digamos, Mônica Velo-so, Ana Paula Oliveira e Bárbara Paz. Pelo amor de Deus, Golda Meir e Thatcher! Por ser um personagem fictício, devo portanto imaginar um enforcamento em praça pública, para o cretiníssimo Don Rigoberto.
O trecho seguinte da carta, então, é um espetáculo: “Esse espécime de revista é um símbolo da avacalhação do sexo, do desaparecimento dos lindos tabus que costuma-vam cercá-lo e graças aos quais o espírito humano podia se rebelar, exercitando a liber-dade individual, afirmando a personalidade singular de cada um, e aos poucos criar o indivíduo soberano na elaboração, secreta e discreta, de rituais, condutas, imagens, cul-tos, fantasias, cerimônias, que, enobrecendo eticamente e conferindo qualidade estética ao ato de amor, o desanimalizaram progressivamente até transforma-lo em ato criativo”.
Ainda segundo o autor da carta, “a pornografia despoja o erotismo de conteúdo artístico, privilegia o orgânico sobre o espiritual e o mental, como se o desejo e o prazer tivessem como protagonistas falos e vulvas, e esses subsídios não fossem meros servi-dores dos fantasmas que governam nossas almas, e segrega o amor físico do resto das experiências humanas”. Pois ao senhor, Don Rigoberto, digo que Playboy (principal-mente) e suas congêneres tem como objetivo não o “barateamento e a degradação” do prazer sexual, mas a sua reconfiguração como forma de arte. Toda nudez deve ser aben-çoada, meu caro. Quanto à pornografia, excetuando-se suas categorias nada recomendá-veis, como a BDSM e as práticas com animais, não deve ser descartada como uma das fórmulas que buscam a realização da felicidade suprema – que, no fim das contas, trata-se do bom e velho bem-estar pessoal, individual e intransferível. E tenho dito.

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