sexta-feira, agosto 01, 2008

MESTRE PALAVRADOR

O bilhete a seguir já foi devidamente impresso. Será guardado em um local privilegiado de minha biblioteca – não como troféu, até porque para mim é patrimônio imaterial, mas sim como mais um motivo de admiração.
Meu caro Ney, agradeço a alta consideração em que você me tem e que demonstrou na sua crônica de segunda-feira. Mas preciso dizer que não lhe informaram os fatos com a devida precisão. A casa não foi vendida, apenas juntamente com meus familiares, me mu-dei dela, no Monte Castelo, para outra no Calhau. Um problema de saúde é que me tem dificultado escrever e às vezes me impedido até de ler, razão por que estou cogitando de ir a São Paulo para um tratamento. O jornal vem publicando crônicas antigas. Um abraço afetuoso e agradecido de quem também é seu leitor. José Chagas.
Não sei se o poeta ainda se recorda. Um tempo atrás, ajudei uma amiga a produzir sua monografia de conclusão de curso. O nome dela é Eline e fazia Letras, primeiro no Ceuma e, após o período de transferência, na UFMA. O título do trabalho era, se a memória não naufraga, “O cotidiano maranhense sob o olhar do cronista José Chagas”. E foi um “trabalho” como está definido nos dicionários: emprego da força física ou intelectual para realizar alguma coisa. Visitei as principais bibliotecas do Centro – a Benedito Leite e a da Casa de Cultura Josué Montello. Não sei dizer quantas horas passei em cada uma, assim como não sei dizer quantas crônicas do “mestre palavrador” analisei. Lembro de uma agora – está arquivada, à espera de uma pesquisa que Deus e eu sabemos que a preguiça vedará -, cujo título, prosaico para o bem da verdade, é “Babaçu com acento e sem cedilha”. Uma pérola da crítica mergulhada em chistes jocosos e cheia de malícia venenosa.
Ás vezes, o exercício da prosa é semelhante ao das artes plásticas. Requer tempo para ser aperfeiçoado ou então corrigido. Escrevi esta crônica com tanta lentidão – também bastante interrompida pela faina cotidiana – que ela acabou sendo alcançada pela notícia do falecimento do radialista Antônio Bartolomeu Martins Cabral – o Deny Cabral, como todos nós o conhecíamos e respeitávamos como um dos grandes nomes do radialismo brasileiro. O que me leva a alterar os rumos desta minha conversa comigo mesmo e também com meus leitores, os quais, a exemplo de Machado de Assis nas “Memórias póstumas” não tenho a ambição de que sejam milhares.
Dedicarei à memória de Deny alguns versos do livro De lavra e de palavra, de José Chagas. “Livro dedicado a todos os homens de boa vontade que amam a terra e na terra lutam realmente pelo bem-estar do camponês”, segundo o autor. Se entendermos camponês como sinônimo para as camadas populares humildes de São Luís e do Maranhão, temos a descrição perfeita da vida e da obra do excelente profissional e – tenho certeza – pai de família que agora parte, deixando saudades. Assim canta o lavrador da palavra, que, como verdadeiro poeta, assume o compromisso consigo mesmo e com sua própria realidade:
“Todos temos direito ao sonho e ao pão/ e ambos podem sair do mesmo trigo,/ que sonhar e lavrar sempre serão/ as duas faces de um modelo antigo,/ a nos mostrar como, a partir do grão,/ vem flor, vem fruto, vem fartura e abrigo,/ e vem também a paz do amor cristão,/ pois o pão do labor traz Deus consigo,/ para nos ser servido em comunhão,/ na mesa posta onde um sorriso amigo/ dá graças e forças aos que à mesa estão,/ e a essa mesa quero estar contigo,/ ó inocente ser, posto em castigo,/ ó enteado da pátria,/ ó meu irmão”.
Um presente: o ouro parnasiano de Chagas para o coração de ouro de Deny.

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