segunda-feira, agosto 11, 2008

O EROS DO PROCESSO

Autor da biografia os anos do conhecimento", o alemão Reiner Stach fala da relação "problemática" de Kafka com os judeus e de sua visão da mulher como mediadora da Justiça

(Publicado na Folha de São Paulo - domingo, 10 de agosto de 2008)



JOSÉ GALISI FILHO

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE HANNOVER (ALEMANHA)



Numa conferência pronunciada no Fórum Cultural Austríaco em 28/4/04, intitulada "O Fim das Lendas", o biógrafo de Franz Kafka (1883-1924) Reiner Stach dizia: "Não preciso apontar o enorme abismo entre aquilo que o nome de Kafka significava duas gerações atrás e o que representa hoje. Kafka era, nos anos 1960, uma supernova literária, seu trabalho era discutido com paixão e até mesmo se tornou uma fonte de esperança política".

"Hoje, em contrapartida, Kafka é uma estrela, uma espécie de figura pop. Os originais escritos com suas canetas se tornaram objeto de culto, cuja propriedade podem se permitir. Surgiu até mesmo uma espécie de turismo literário em todos os lugares que freqüentou, cercados por uma aura que quase nada mais tem a ver com o nome do indivíduo histórico e representam muito mais um conceito, uma marca comparável às de Mozart, Einstein ou Marilyn Monroe".

Há mais de 13 anos, Stach se ocupa pacientemente em desmontar as lendas do edifício literário desse clássico moderno.

E o segundo volume de sua enorme biografia, "Die Jahre der Erkenntnis" (Os Anos do Conhecimento, ed. Fischer, 726 págs., 29,90 euros, R$ 73), concentra-se na fase final da carreira do autor, entre 1915 e 1924, marcada pela doença, pela guerra e pelo desmoronamento de suas relações.

"A guerra arruinou sua vida", reconhece. Mas, em contrapartida, a experiência profissional direta de Kafka - ele trabalhou com seguros à epoca - com a nova dimensão tecnológica do conflito, a guerra total com armas químicas e a legião de mutilados a ser administrada pelos Estados-maiores no front doméstico se transfigurou, em sua escrita, em uma opção pela parábola e por um depuramento formal extremos.

Para Stach, Kafka foi, de fato, o único escritor do idioma alemão à epoca a perceber a essência do mundo administrado emergente.

Sua biografia pode ser lida como um romance em aberto, no qual nos confrontamos com todas as virtualidades de decisão que não se tornaram realidade na vida de Kafka.

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