quinta-feira, outubro 11, 2007

Um especialista sem frescura

DO BLOG DE AFFONSO NUNES (JB ONLINE)

O espanhol Fernando Ortiz é, aos 30 anos, um dos enólogos e sommeliers mais requisitados da Espanha. A paixão pelo vinho começou cedo, ainda na adolescência, na cidade de Aranda. Formado na Câmara de Comércio de Madrid, Ortiz tem mais de 70 cursos ministrados em seu país. É conferencista das Universidades de Brugos e Miguel de Cervantes, em Valladolid, e colabora com programas de rádios sobre o mundo do vinho na região de Castilla y León, região cujos vinhos ele promove em viagens pelo mundo. Nesta semana, ministrou curso sobre o tema na Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho, em Botafogo. Obcecado por fazer com que a juventude se interesse mais pela bebida, gosta de promover grandes sessões de degustação, para iniciados e iniciantes. Numa delas, em 15 de setembro do ano passado, reuniu 5.095 pessoas numa arena de touradas. O feito entrou para o Guiness Book. Tive a oportunidade de conversar com ele na última terça-feira. Abaixo, os principais trechos da entrevista com um especialista com a cara deste blog: sem frescura.

Trajetória

MInha infância e juventude foram marcadas pela cultura do vinho. Meu avô trabalhava com o cultivo de uvas na região de Aranda. Meu pai abriu uma loja de vinhos e logo cedo fui trabalhar com ele. Confesso que era um péssimo aluno, mas demonstrava grande interesse em relação aos vinhos. Decidi unir o prazer ao conhecimento e me fui me aprofundando. Creio que que subi mais um degrau em relação a meu pai e meu avô.

A era do vinho

O vinho acompanha a história da humanidade há pelo 2.500 anos, mas não tenho dúvidas de que vivemos hoje o momento de ouro em sua produção. Nunca se bebeu vinhos tão bons em tamanha quantidade. O vinho democratizou-se. Há rótulos de qualidade, para todo tipo de gente. As fronteiras vinícolas expandiram-se além da Europa. Tudo isso foi alcançado graças às invovações tecnológicas, capazes de compensar limitações climáticas ou mesmo de terreno. Vivemos, de fato, um momento especial.

Vinhos globalizados ou regionalizados?

A democratização no mundo do vinho é positiva, pois amplia seus horizontes e ajuda a formar novos apreciadores. Mas um aspecto me incomoda: o fato de encontrarmos vinhos idênticos em vários países. O pleno domínio das técnicas de produção faz com que você possa consumir, por exemplo, vinhos de corte francês como o Bordeaux produzidos fora da França. Abdica-se das características regionais, das uvas locais, para se apostar num modelo rígido, como numa receita de sucesso que todos querem reproduzir. Mas por trás de um vinho há mais do que isso: temos a história daquela região, sua cultura. Temos a história de vida de homens e mulheres que produziram aquele vinho. Uma história que se repete há milênios. Esse problema não ocorre no chamando Novo Mundo do vinho porque essas regiões começaram a fazer seus vinhos a partir de mudas importadas, uma vez que não eram regiões vinícolas.

O papel dos críticos

O ideal seria que seguissemos nosso próprio gosto, dando menos valor aos críticos. Acho os sistemas de pontuação de vinhos algo injusto. Um vinho mal pontuado pode casar perfeitamente com certa refeição num determinado momento. Afinal, o vinho tem vida. Ele dialoga conosco. Tudo isso conta e vai além do universo fechado da chamada crítica especializada.

Vinhos complexos

O principal fator a ser considerado num vinho para mim é sua complexidade. Como explicar isso ao público leigo? Gosto de comparar com pessoas que entendem muito de um assunto como, por exemplo, o futebol. Digamos que você tem um amigo que conhece o futebol profundamente. É bom conversar com ele, aprender o que você desconhecia. Mas depois de algum tempo, a conversa não vai se renovar. Um vinho complexo é como uma pessoa que domina não somente o futebol, mas outros temas como literatura, artes plásticas, música, filosofia, política, religião e etc. Enfim, a cada conversa aprendemos mais. Um vinho complexo nos revela aromas, texturas e sabores e cada gole. Isso é que o torna tão especial, se comparado a outros tipos de bebida. Os vinhos têm alma.

Vinhos espanhóis

Posso ser suspeito para falar, mas não sou o único a dizê-lo: a Espanha representa o futuro do vinho. Experimentamos um grande salto de qualidade nos últimos anos e nosso país reúne condições privilegiadas, já que temos a maior área cultivada de vinhedos do mundo. Poderíamos produzir muito mais do que produzimos hoje, mas optamos por fazer vinhos mais especiais, mais finos e complexos. E para isso, não podemos produzir em série, como numa grande fábrica. Nosso país planeja ser o maior exportador de vinhos do mundo até 2010.

A alta gastronomia espanhola

A Espanha está na vanguarda da alta gastronomia da atualidade. Temos Ferran Adriá, mas ele é a ponta de um iceberg. Há outros chefs instigantes, criativos. O interesse por esse estilo culinário é hoje tão grande que em Nova York abre-se mais restaurantes espanhóis do que italianos hoje em dia. E esse interesse gastronômico pelo que vem da Espanha, obviamente, ajuda a alavancar a venda de nossos vinhos.

Degustação recorde

Apresentamos naquela tarde 2,5 mil garrafas de vinhos representativos das principais regiões espanholas. A idéia de realizar uma degustação para tanta gente surgiu de nossa intenção de aproximar os jovens do vinho. E para isso nada como um evento grandioso, um feito digno do Guiness Book, sobre o qual as pessoas dirão: "Eu estive lá. Eu participei." E deu certo: 70% das 5.095 presentes tinham 35 anos ou menos. Ver toda aquela compartilhando sensações, olhando as taças, cheirando o vinho. Foi algo muito emocionante, difícil de esquecer.

Vinhos no Brasil

Ainda não os conheço suficientemente para falar, mas sei do empenho crescente de vocês na produção de vinhos de qualidade. Sei do interesse cada vez maior do público. O cultivo de uvas viníferas aqui no Brasil é recente demais e há muito o que se descobrir em relação aos terrenos apropriados para se produzir esta ou aquela uva. Os espumantes que vocês fazem aqui são de qualidade superior. Creio que vocês poderão conseguir resultados semelhantes com vinhos rosados. Aliás, não entendo porque o brasileiro não consome mais espumantes ou vinhos rosados e brancos. O clima de vocês ajuda muito.

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