quarta-feira, julho 08, 2009

Carro-forte e carro-bomba

Pasquale Cipro Neto
Professor de português desde 1975. É consultor de língua portuguesa do Departamento de Jornalismo da Rede Globo, em São Paulo; e colunista dos jornais Folha de S. Paulo, O Globo, Diário do Grande ABC, entre outros.

A violência no Iraque, em Israel e na Palestina parece longe do fim. A todo instante, explodem carros-bomba(s) e homens-bomba(s). Por aqui, volta e meia um carro-forte é atacado por bandidos ávidos e ultra-aparelhados. E os leitores não deixam por menos: querem saber como fica o plural dessas palavras compostas.

Em se tratando da flexão de número (singular/plural), todos esses compostos se enquadram no mesmo caso? A resposta é não, caro leitor. As palavras compostas 'carro-bomba' e 'carro-forte' guardam entre si uma semelhança e uma distinção. A semelhança está em serem substantivos, visto que nomeiam algum tipo de ser; a diferença está em serem formadas porsubstantivo + substantivo ('carro-bomba') e por substantivo + adjetivo ('carro-forte').

Vamos começar pelo processo relativo ao plural dos substantivos compostos formados por substantivo + adjetivo (caso de 'carro-forte'): flexionam-se os dois elementos. Sendo assim, o plural de 'cavalo-marinho' é 'cavalos-marinhos', o de 'guarda-noturno' é 'guardas-noturnos', o de 'bóia-fria' é 'bóias-frias', o de 'água-viva' é 'águas-vivas', e assim pordiante. Esse processo está mais do que estabilizado na língua.

O plural de 'carro-forte' se enquadra no caso que acabamos de ver porque 'forte' aí é adjetivo (que se opõe a 'fraco'), embora possa parecer a alguns que seja um substantivo (equivalente a 'fortaleza'). Não é substantivo, não. É adjetivo mesmo. O carro-forte (em tese, ao menos) é forte, muito forte (embora nossos ultra-aparelhados bandidos não dêem amínima para essa 'força'). Que fique claro, pois: o plural de 'carro-forte' é 'carros-fortes' ('Quatro carros-fortes da empresa foram atacados na última semana').

Vamos ver agora os substantivos compostos formados por dois substantivos (caso em que se enquadra 'carro-bomba'). De início, é preciso levar em conta o valor do segundo substantivo em relação ao primeiro. Em 'carro-bomba', o elemento 'bomba' limita o sentido de 'carro', já que indica idéia de finalidade. Esse tipo de veículo não é feito para levar pessoas à escola ou ao trabalho. É feito para fazer tudo subir pelos ares.

Em se tratando desse caso de composto e também dos casos em que o segundo substantivo indica idéia de semelhança (o que ocorre, por exemplo, em 'peixe-boi' e em 'saia-balão'), registra-se, na tradição da língua, o predomínio da opção pela flexão do primeiro elemento: 'carros-bomba', 'homens-bomba', 'mulheres-bomba', 'homens-rã', 'peixes-boi','saias-balão', 'salários-família', 'navios-escola', 'bananas-maçã' etc.

Modernamente, observa-se (e registra-se nos dicionários e gramáticas) também a flexão dos dois elementos: 'carros-bombas', 'homens-bombas', 'mulheres-bombas', 'homens-rãs', 'peixes-bois', 'saias-balões', 'salários-famílias', 'navios-escolas', 'bananas-maçãs' etc.

Há algum tempo, um dos mais importantes vestibulares do país (o da Fuvest) se viu obrigado a alterar o gabarito de uma questão por causa do plural de 'pombo-correio' (em que 'correio' limita o sentido de 'pombo'). De início, a banca considerou correta apenas a forma tradicional ('pombos-correio'), mas, diante das evidências (os diversos registros nos dicionários e gramáticas), aceitou também a forma 'pombos-correios'.

Um comentário:

Gladson Fabiano disse...

hum.... saudades Ney! apareça!