sábado, julho 04, 2009

Novo romance de Philip Roth exibe vigor e inconformismo

"Indignação" trata da paranoia de um pai que tenta moldar a vida do seu filho

TATIANA SALEM LEVY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em artigo sobre o caso Schreber, Freud afirma que o paranoico é aquele que reconstrói seu mundo subjetivo com o trabalho de seus delírios. "Indignação", de Philip Roth, que sai agora por aqui, é um romance sobre a paranoia de um pai que, com seus medos, molda a vida do filho. Marcus Messner, judeu de Newark, entra para a universidade cerca de dois meses após o início da Guerra da Coreia. Filho de um açougueiro ko-sher, Marcus é "um estudante prudente, responsável, com notas excepcionais". Nada justifica, portanto, o receio do pai de que ele venha a perder as rédeas do próprio destino. Nada senão uma paranoia, a mesma que guiará o livro do início ao fim: "A razão é a vida, onde o menor passo em falso pode ter consequências trágicas". Lá onde não existe nada, o pai inventa um desastre por vir. Se o filho some de casa, não é porque está na biblioteca, mas porque algo de terrível se anuncia. Toda a narrativa se funda no "e se" que, no decorrer do texto, perde seu caráter inesperado e se torna obrigatório. Algo tem de suceder a Marcus, para que se justifique o discurso paranoico do pai; para que, no fim, o açougueiro possa repetir a si mesmo que tinha razão. Todos os acontecimentos da trama -a transferência de universidade; o isolamento de Marcus; o aparecimento da "doidinha" Olivia Hutton- se desenrolam para ratificar o medo. Os delírios do pai vão se tornando, aos poucos, a própria história de Marcus. De início, o mundo contraria a sua crença de que algo dará errado. No entanto, ele alimenta a tal ponto suas certezas que o discurso vai se tornando realidade.

Ameaça da solidão

Narrado em primeira pessoa pelo protagonista, o romance de Roth descreve de forma magistral um ambiente que requer uma existência social marcada: o isolamento é visto como ameaça, e a vida do indivíduo deve ser partilhada com os demais. A solidão e o segredo precisam ser banidos da sociedade. Todos invadem a vida de Marcus de tal modo que provocam no estudante uma indignação crescente, a mesma do hino nacional chinês, que ele repete em silêncio cada vez que vê o absurdo se dispor à sua frente. Ao narrar para Olivia seu dia-a-dia no açougue, quando trabalhava ao lado do pai, Marcus descreve o que fazia com a galinha: "Abre o cu com um corte, enfia a mão bem fundo, agarra as vísceras e puxa para fora. Nauseabundo e repugnante, mas tinha de ser feito". O mesmo parece ocorrer com ele: as instituições o cortam para lhe tirar as vísceras. Aviltante, mas tem de ser feito. É esse processo que termina levando Marcus ao passo em falso que conduz "a resultados tão desproporcionais", anunciados a conta-gotas ao longo da narrativa. O desastre chega, descaracterizado de sua casualidade, reforçado pelo delírio da linguagem. A paranoia do pai se reflete na paranoia da literatura, aquela que cria um mundo para si e dá a ele seus sentidos. "Indignação" confirma o vigor de Roth, que, como Marcus, é judeu de Newark. Apesar das acusações de que sua prosa é "demasiadamente americana", restrita às suas experiências e ao seu meio, Roth mostra mais uma vez que o pessoal, na arte, atravessa fronteiras. A indignação de Marcus é, sim, a de seu criador, mas também a daqueles que não se conformam com a sociedade em que vivem.

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