terça-feira, maio 10, 2011

O OUTRO LADO DA MOEDA

Corro deliberadamente o risco de “chover no molhado” ao afirmar que, se há um assunto muito bacana para um cronista explorar, este sempre vai ser a cultura.
Para o “Novo Dicionário Aurélio”, cultura é “o conjunto complexo dos códigos e padrões que regulam a ação humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em uma sociedade ou grupo específico, e que se manifestam em praticamente todos os aspectos da vida: modos de sobrevivência, normas de comportamento, crenças, instituições, valores espirituais, criações materiais, etc.”.
“Normas de comportamento” é bem a expressão que desejamos abordar. Como se sabe, a relação entre indivíduos em uma sociedade vai do céu ao inferno em questão de pouquíssimo tempo. Lembro agora de uma situação ocorrida dentro de um ônibus da linha Operária/São Francisco. Após conversarem de maneira bastante exaltada durante a viagem, duas mulheres prepararam-se para descer na Cohab. O que aconteceu: uma delas puxou o cordão da cigarra no momento em que o carro havia saído da parada em que elas queriam ficar. Crentes de que o motorista iria abrir as portas para a dupla, moçoilas continuaram a bater-papo. Quando viram que o ônibus continuava em movimento, estouraram: xingaram o condutor com um repertório capaz de causar inveja ao marinheiro mais tarimbado e, uma por vez, dedicaram-se a quase arrancar o cordão.
Nos últimos dias, essas normas foram devidamente analisadas por este vosso escriba em situações superficialmente díspares, no entanto semelhantes do ponto de vista moral e cívico.
O noticiário televisivo informou a quem pudesse se interessar pelo desvio de recursos da merenda escolar que fez dezenas de crianças encherem a barriga com um sem-número absurdo das piores porcarias. Um dia depois, ficamos sabendo que, na Assembléia Legislativa do Pará, pessoas humildes eram involuntariamente usadas por meia dúzia de três ou quatro vagabundos em um esquema de corrupção que possibilitava o pagamento de salários de até R$ 10 mil a funcionários fantasmas.
Apesar das provas irrefutáveis que comprovam ambos os crimes e da identificação nominal dos principais líderes desses esquemas absolutamente covardes, nenhum dos chefes assumiu a autoria. Despejaram notas na imprensa afirmando que nada tinham a ver com tamanhas fraudes.
Agora, aqui exponho o outro lado dessa moeda. Lá no Japão, cidadãos indignados compareceram a uma audiência pública na qual foram “enquadrados” os donos da usina nuclear afetada pelo tsunami. De acordo com as acusações, não foram dadas à população moradora do entorno da usina as garantias de que elas seriam devidamente assistidas pelos executivos da usina. Estes ouviram as reprimendas sem proferir uma palavra sequer. Afinal, tinham toda a culpa no cartório e todas as evidências mostravam que eles haviam falhado em cumprir com tudo aquilo que haviam assegurado às pessoas que juraram proteger.
Permaneceram em silêncio por pouco mais de meia hora. Em seguida, envergonhados, curvaram-se, com os rostos quase tocando o chão – em um pedido de desculpas também feito sem a necessidade de palavras.
Nos tempos dos samurais, a fim de restaurarem a própria honra, esses homens teriam facilmente cometido seppuku. Aqui no Brasil, pelo jeito, falta a alguns homens públicos a honradez necessária para reconhecer seus deslizes.

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