terça-feira, maio 03, 2011

O PEQUENO POETA

Neste ano de Nosso Senhor de 2011, um “simples fazedor de versos” decidiu aposentar-se de sua lavoura.
Muito já se escreveu e outras tantas linhas ainda serão escritas a respeito da vida e da arte de José Francisco das Chagas. E todas celebrarão o mestre de “Os canhões do silêncio” como o maior e o melhor de todos os poetas maranhenses. É óbvio que poderia fazer parte do panteão dos grandes bardos nacionais – onde se encontram Drummond, Vinícius, Jobim, Cecília, João Cabral. Mas a poesia deste nosso Maranhão velho de guerra, como a sua música e o seu futebol, não nasceu para ultrapassar o Estreito dos Mosquitos.
É óbvio que José Chagas tem seus motivos para deixar ao Deus-dará uma viúva de poeta vivo – que é como a partir de agora todos observaremos a poesia destas terras timbiras. Mas acredito que ele tenha se precipitado, nessa decisão. Afinal, como se sabe, Upaon-Açu (São Luís presente) comemorará no dia 8 de setembro de 2012 quatro centúrias. Quatrocentos anos nos quais sua população diuturnamente ouvia à noite tambores do Congo, gemendo e cantando dores e saudades, a evocar martírios, lágrimas, açoites, que floriram claros sóis da liberdade.
Pois esta cidade, às vésperas de ser conhecida como uma castigada quatrocentona, merece dos nossos homens de letras um tratamento poético ou ficcional à altura de tão importante acontecimento. Por essa razão, imagino que José Chagas poderia “parir sem ser mãe” (de acordo com a frase absolutamente perfeita de José Eugênio Soares a respeito da arte da escrita) uma outra obra monumental, feita das mesmas preciosidades verbais ou mais valiosa ainda que “Os canhões...”. É claro que tantos dos nossos menestréis deverão fazer o mesmo. Espera-se muito nesse sentido de Nauro Machado, de algo tão belo quanto a “Litania da velha”, de uma vertente carregada pelos ecos da sensibilidade de Dagmar Desterro.
Fernando Braga, este grande filósofo contemporâneo, me diz, por intermédio de seu excelente ensaio a respeito de “O cirurgião de Lázaro”, de Nauro, que a “poesia como expressão verbal glorifica-se por sua extensão a explorar alogicamente os símbolos e signos representativos da linguagem humana, utilizada em fins estéticos, a procurar amparo e densidade, harmonia e sutileza em suas diversas peculiaridades conotativas, a distanciarem-se quando possível, e a cada vez mais, da elocução comum”.
Jean Cocteau, por sua vez, afirma que “a poesia é uma religião sem esperança”.
Chagas pode lhe fornecer, seguramente, algumas definições próprias a respeito do fazer poético. Logo ele, que um dia afirmou que jamais conseguiu determinar de onde é que lhe saía a vontade de versejar, quando não existia, entre seus familiares, nem em seu ambiente paraibano, quem se interessasse pelas “coisas da literatura”.
Seja como for, se a decisão do poeta se mantiver – e na verdade ele não tem por que recuar, uma vez fincada essa resolução em bases sólidas -, São Luís sentirá falta dos versos de quem mais a enalteceu, em seus quase 400 anos. E, para encerrar estas considerações a respeito de versos e perdas, fiquemos com um depoimento do mais maranhense dos bardos que nasceram em solo paraibano:
“Pessoalmente posso afirmar que valeu a pena. Para mim mesmo vale, porque, bem ou mal, pude exprimir o que eu sinto, com o instrumento que me foi dado. Nunca me preocupei, no caso, com lucro material nem em assumir essa ou aquela posição. Sempre achei que o pior não é a gente não ganhar nada com a poesia. O mais grave é a poesia não ganhar nada com a gente. Esse é que é o verdadeiro drama do pequeno poeta”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Texto do caralho, seu Ney. Chagas se aposentou dos poemas, mas não da poesia. E apesar disso, ele deixou centenas de páginas de poesia inédita para toda São Luís e para seus moradores.