segunda-feira, junho 28, 2010

A América Latina de Oliver Stone

THE NEW YORK TIMES

Larry Rohter

Nos filmes sobre John F. Kennedy, Richard M. Nixon e George W. Bush, Oliver Stone deu asas à sua imaginação e foi frequentemente criticado por fazer isso. Agora, em “South of the Border”, que estreou na sexta-feira, ele se voltou para Hugo Chávez, o controverso presidente populista da Venezuela, e seus aliados reformistas da América do Sul.

“Pessoa que são com frequência demonizadas, como Nixon, Bush, Chávez e Castro, me fascinam”, disse Stone numa entrevista esta semana durante uma turnê para promover o filme, que retrata Chávez como um líder benevolente, generoso e corajoso que foi injustamente difamado. “É uma coisa recorrente”, ele acrescentou, que pode sugerir “um apego psicológico aos perdedores” de sua parte.

Diferentemente de seus filmes sobre presidentes norte-americanos, “South of the Border” de 78 minutos tem a intenção de ser um documentário e portanto tem um outro padrão. Mas está contaminado pelos mesmos problemas de acuidade que os críticos levantaram sobre seus filmes, desde “JFK”. Considerados em conjunto, os erros, declarações equivocadas e detalhes omissos podem minar o retrato de Chávez feito por Stone.

Os problemas de Stone com o filme começaram cedo, com seu relato sobre a ascensão de Chávez. Segundo “South of the Border”, o principal oponente de Chávez em sua campanha inicial à presidência em 1998 era “uma ex-miss Universo loira de 1,84 metro chamada Irene Saez, e portanto “a disputa ficou conhecida como a eleição entre a Bela e a Fera”.

Mas o principal oponente de Chávez não era Saez, que ficou em terceiro lugar com menos de 3% dos votos. Era Henrique Salas Romer, um inexpressivo ex-governador estadual que ficou com 40% dos votos.

Quando esta e várias outras discrepâncias foram apontadas para Stone na entrevista, suas atitudes variaram. “Sinto muito por isso, e peço desculpas”, disse ele sobre a eleição de 1998. mas ele também reclamou que estavam “pegando no pé” e “procurando cabelo em ovo” e disse que não era sua intenção fazer um programa para C-Span nem empreender o que ele chamou de interrogatório “cruel e brutal” sobre Chavez ao estilo de Mike Wallace sobre Chávez que a BBC transmite este mês.

“Estamos lidando com o quadro mais amplo, e não paramos para entrar numa série de críticas e detalhes de cada país”, diz ele. “É uma introdução a uma situação na América do Sul que a maioria dos norte-americanos e europeus não conhece”, acrescentou, por causa de “anos e anos de jornalismo negligente.”

“Acho que tem havido tanto desequilíbrio que somos definitivamente uma resposta a isso”, disse.

Tariq Ali, historiador e comentarista britânico-paquistanês que ajudou a escrever o roteiro, acrescentou: “Não é nenhum segredo que nós apoiamos o outro lado. É um documentário opinativo.”

As críticas iniciais de “South of the Border” foram mornas. Stephen Holde do The New York Times chamou-o de “uma exaltação provocativa, embora superficial, do socialismo na América Latina”, enquanto a Entertainment Weekly o descreveu como “propaganda política ingênua”.

Algumas informações equivocadas que Stone, que costuma pronunciar o nome de Chávez errado como Chavês, insere em “South of the Border” são relativamente benignas. Um voo de Caracas a La Paz, Bolívia, passa principalmente sobre a Amazônia, e não sobre os Andes, e os Estados Unidos não “importam mais petróleo da Venezuela do que de qualquer outra nação da OPEC”, uma posição que pertenceu à Arábia Saudita durante o período de 2004 a 2010.

Mas outras afirmações questionáveis se referem a temas fundamentais, incluindo o argumento de Stone de que os direitos humanos, que são uma preocupação na América Latina desde a era de Jimmy Carter, é “a expressão da moda”, usada principalmente para criticar Chávez. Stone argumenta no filme que a Colômbia, que “tem um problema de direitos humanos bem pior do que a Venezuela”, recebe “um passe livre na mídia que Chávez não tem” por causa de sua hostilidade em relação dos Estados Unidos.

Quando Stone começa a falar, aparece na tela o logotipo da Human Rights Watch, que monitora de perto a situação tanto na Colômbia quando na Venezuela e divulgou relatórios sobre os dois países. Isso aparentemente indicaria que a organização faz parte do “dupla medida” da qual Stone reclama.

“É verdade que muitas dos críticos mais duros contra Chávez em Washington fecharam os olhos para os terríveis problemas de direitos humanos na Colômbia”, disse Jose Miguel Vivanco, diretor da divisão do grupo para as Américas. “Mas não há motivo para ignorar os sérios prejuízos que Chávez acarretou aos direitos humanos e à democracia na Venezuela”, que incluem expulsar Vivanco e um associado sumariamente, violando a lei venezuelana, depois que a Human Rights Watch divulgou um relatório crítico em 2008.

Uma atitude similar e tendenciosa pode ser percebida no tratamento que Stone dá ao golpe de abril de 2002 que derrubou Chávez brevemente. Um dos eventos cruciais daquela crise, talvez o que a tenha instigado, foi o “Massacre da Ponte Llaguno”, no qual 19 pessoas foram mortas a tiros em circunstâncias que permanecem obscuras, com os partidários de Chávez culpando a oposição e vice-versa.

O filme de Stone inclui novas cenas do confronto na ponte, mas seu argumento básico adere ao que foi mostrado em “A Revolução Não Será Televisionada”, um filme que o campo de Chávez endossou. O documentário, entretanto, foi refutado por um outro, chamado “Raio-X de uma Mentira”, e pelo livro de Brian ª Nelson “O Silêncio e o Escorpião: O Golpe Contra Chávez e a Formação da Venezuela Moderna” (Nation Books), nenhum deles mencionado por Stone.

Em vez disso Stone se baseia muito no relato de Gregory Wilpert, que testemunhou parte das trocas de tiros e é descrito como um acadêmico norte-americano. Mas Wilpert também é marido da cônsul-geral de Chávez em Nova York, Carol Delgado, e há tempos editor e presidente do quadro do Venezuelanalysis.com, um site montado com doações do governo venezuelano, ligações que Stone não revela.

Como a visão de Stone sobre o assassinato de Kennedy, esta parte de “South of the Border” gira em torno da identidade de um atirador ou atiradores que podem ou não ter feito parte de uma conspiração maior. Como Stone coloca no filme: “os tiros foram disparados dos telhados dos prédios, e membros de ambos os lados foram baleados na cabeça.”

Numa entrevista por telefone esta semana, Wilpert reconheceu que os primeiros tiros foram disparados de um prédio conhecido como La Nacional, que abrigava os escritórios administrativos de Freddy Bernal, o prefeito do centro de Caracas, pró-Chávez. Numa investigação do Congresso depois do golpe, Berna, que liderava um esquadrão de elite da polícia antes de assumir o poder, foi questionado sobre o testemunho de um funcionário militar de que o Ministro da Defesa havia ordenado a Bernal que atirasse nos manifestantes da oposição. Bernal descreveu a acusação como “totalmente falsa”.

“Não sei nada sobre isso, eu nem sabia que era um prédio chavista”, disse Stone inicialmente, antes de recuar à sua posição original. “Mostre-me as cenas de Zapruder, e pode ser diferente”, diz ele.

A segunda metade de “South of the Border” é um “road movie” no qual Stone, às vezes acompanhado de Chávez, encontra-se com líderes da Bolívia, Argentina, Paraguai, Brasil, Equador e Cuba. Mas aqui também ele distorce os fatos e omite informações que podem minar sua tese de uma “revolução bolivariana” em todo o continente, encabeçada por Chávez.

Na visita à Argentina, por exemplo, ele descreve acuradamente o colapso econômico de 2001. Mas logo pula para a eleição de Nestor Kirchner à presidência em maio de 2003 e deixa Kirchner e sua sucessora – e mulher – Cristina Fernandez de Kirchner alegarem que “começamos uma política diferente da anterior”.

Na realidade, o presidente anterior a Kirchner, Eduardo Duhalde, e o ministro das finanças de Duhalde, Roberto Lavagna, foram os arquitetos dessa mudança de política e da recuperação econômica subsequente, que começou enquanto Kirchner ainda era um governador desconhecido de uma pequena província na Patagônia. Kirchner foi originalmente um protegido de Duhalde, mas os dois homens agora são inimigos políticos, o que explica o desejo dos Kirchners de apagá-lo de sua versão da história.

Tentando explicar a ascenção de Evo Morales, o presidente da Bolívia que é aliado de Chávez, Ali se refere à controversa e descuidada privatização da água na cidade de Cochabamba.

“O governo decidiu vender o suprimento de água de Cochabamba para a Bechtel, uma corporção norte-americana”, diz ele, “e uma das coisas que essa corporação fez foi obrigar o governo aprovar uma lei dizendo que de agora em diante era ilegal que os pobres saíssem nos telhados para coletar água da chuva em recipientes.”

Na verdade, o governo não vendeu o suprimento de água: ele concedeu a um consórcio que incluia a Becthel o gerencialmente da concessão durante 40 anos em troca de injeções de capital para expandir e melhorar o abastecimento de água e a construção de uma represa para gerar eletricidade e irrigação. A questão da coleta de água pelos pobres tampouco é como Ali apresenta.

“A permissão sobre a água da chuva sempre vem à tona”, diz Jim Shultz, um crítico da privatização da água e coeditor de “Dignidade e Desafio: Histórias do Desafio da Bolívia para a Globalização” (University of California Press), disse numa mensagem de e-mail. “O que eu posso dizer é que a privatização do sistema público de água foi acompanhada por um plano do governo que exigia permissões para poder cavar poços e coisas do tipo, e que ele poderia ter fornecido as concessões à Bechtel ou outras empresas.”

Mas ele “nunca chegou a tanto”, acrescentou, e “ainda não está claro para mim até agora que tipo de sistemas de coleta de água seriam incluídos”. Ele concluiu: “Muitos acreditaram que ele incluiria alguns sistemas de coleta de água da chuva. Isso poderia facilmente causar polêmica.”

Questionado sobre a discrepância, Ali respondeu que “nós podemos falar sobre isso infinitamente”, mas, “o objetivo de nosso filme é muito claro e básico”. Em “South of the Border”, ele acrescentou: “Nós não estávamos escrevendo um livro ou fazendo um debate acadêmico. Era para ter uma visão simpática desses governantes.”

Tradução: Eloise De Vylder

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