domingo, junho 27, 2010

A harmonia (da Copa) do mundo

Espero que na Copa em 2050 o Brasil continue
sendo líder no futebol e seja o novo líder na ciência


Agora que o Brasil se classificou para a segunda rodada da Copa (como escrevo antes do jogo com Portugal, não sei se em primeiro ou em segundo grupo), está na hora de darmos uma relaxada e refletirmos um pouco sobre futebol e esportes em geral.
Os gregos foram os primeiros a sacar que esportes unificam populações. Se a poesia épica de Homero não funcionava por si só para unificar as cidades-estado num império homogêneo, use os esportes como complemento. Assim nasceram as Olimpíadas, em torno de 776 a.C.

Atletas das diversas cidades-estado e reinos espalhados pela costa do Mediterrâneo competiam entre si a cada quatro anos. Durante os jogos, guerras entre as cidades-estado eram suspensas. Já então, os esportes eram um excelente modo de sublimar o apetite pela guerra.

Esportes são guerras controladas. Um mundo sem esportes seria bem mais caótico. Adoro esportes em geral e futebol mais ainda. Nos meus tempos, fui um jogador bem razoável, se bem que de...vôlei. Cheguei até a ser campeão brasileiro, junto ao Bernardinho.

Mas, vendo os jogos, e, mais importante, a torcida, como não pensar em guerras tribais? Especialmente com as caras pintadas, os uniformes, as bandeiras, a testosterona elevada, as brigas entre torcedores e entre jogadores, as indignações que a pobre mãe do juiz sofre...

Interessante que o mesmo ocorre em jogos contra times locais. Não é só país contra país. É num Fla-Flu, Corínthians e São Paulo, Barcelona e Real Madri, Everton e Manchester United...as guerras são tão intensas quanto nos jogos internacionais. Esportes representam nossas várias alianças tribais: clube, Estado, país. Durante a Copa, torcedores de clubes diferentes se esquecem das disputas e vestem com orgulho a camisa do seu país.

Durante um mês o país é o foco principal, do mesmo modo que entre os gregos: as cidades-estado são os países e o império é o mundo.

O poder da Copa como unificador global é realmente impressionante. O mundo inteiro grudado nas TVs, nos rádios e, desta vez, graças à frota de satélites de telecomunicação, nos telefones celulares também. A tecnologia leva a Copa aos quatro cantos do planeta.

Nenhum outro evento mundial tem o poder de focar tanta gente de culturas, religiões e realidades sociais completamente diferentes.

Lembro a primeira Copa a que assisti, a de 1966, numa TV PB a válvulas, que demorava 30 segundos para "esquentar". O homem não havia ainda pousado na Lua, os Beatles ainda tinham cabelos curtos, o modelo do Big Bang acabava de ser confirmado, se bem que eu, com sete anos, não sabia de nada disso.

O mundo mudou muito. A população mundial mais do que dobrou. A Guerra Fria acabou. A economia global é uma coisa só, a falência de um país afeta o mundo inteiro.

Controlamos o buraco de ozônio, mas temos muito a fazer para controlar as emissões de CO2. Talvez estejamos vendo o início de uma mudança de atitude global, uma nova relação de sustentabilidade com o planeta.

Espero que na Copa de 2050, quando estaremos assistindo à final em hologramas tridimensionais em casa, o Brasil continue sendo o líder do futebol e seja o novo líder da ciência, e que tenhamos aprendido a viver em sintonia com a Terra.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

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