domingo, março 31, 2013

EPISÓDIOS


            O bilhete da loteria rasgado abandonado no assoalho imundo do ônibus

            passa a imagem do seu ex-dono dizendo para si mesmo

            “Ainda não foi desta vez!”

            O homem que põe as mãos na tampa do caixão que guarda

            o corpo de sua esposa pouco antes da primeira pá de terra

            ergue o rosto para o céu e tenta entender o como e a finalidade

            o menino que empina a pipa depauperada desvia o rosto

            coberto de suor e terra da carícia do pai ausente e antes de voltar correndo

            para os seus amigos de linha e cerol diz ao homem que vai vê-lo

            apenas nos fins de semana: “A mamãe tá em casa. Vai falar com ela”

            E o bêbado que se equilibra na calçada tão destroçada quanto sua vida

            perde o controle da bexiga lava os pés imundos e as japonesas gastas

            ouve o gracejo de um mototaxista e dispara pela avenida atrás do engraçadinho

            as pernas bambas por demais ébrias

            e então na direção contrária aparece um ônibus lotado

            e quando se percebe em perigo real e imediato o bêbado outrora equilibrista

            decide enfrentar o ônibus com o dedo médio em riste lembrando-se

            no derradeiro segundo daquele antigo brega:

“E QUE TUDO O MAIS VÁ PRO INFERNO!”

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