“Os mortos no mar são como espinhos no
coração”. Essa frase parece ter saído da pena de Melville ou de Jorge Amado –
apenas para citar dois escribas que trataram com rara poesia a relação de amor
e ódio e vida e morte da humanidade com o mar.
No
entanto, como o comercial daquele antigo anticaspa, parece, mas não é. Quem
disse que os mortos no mar são como espinhos no coração foi o papa Francisco,
quando esteve recentemente na ilha italiana de Lampedusa para “chorar” os
muitos imigrantes do Oriente Médio e do norte da África que acabam perdendo a
vida em naufrágios na tentativa de alcançarem o Velho Continente em busca de
uma vida melhor, longe de guerras, da fome e das epidemias.
Ainda
lembrando ditos mais velhos do que andar para a frente, a impressão é a
primeira que fica. E a que me passa a imagem do novo papa é a de um sujeito
desencanado. Ou seja, a de alguém que encara sem problemas e com a dose certa
de bom humor o imenso fardo de comandar uma das principais denominações religiosas
do planeta. Basta recordar o discurso com que brindou a multidão aglomerada na
Praça de São Pedro no dia de sua escolha: “Vocês sabem que o dever do conclave
era de dar um bispo a Roma. Parece que meus irmãos cardeais foram buscá-lo
quase no fim do mundo. Mas estamos aqui!”.
Pois
este simpático papa argentino – o primeiro pontífice nascido no continente
americano –, que estará aqui no Brasil neste mês para a Jornada Mundial da
Juventude, produziu a “quatro mãos” (aproveitou, segundo entendi, algumas
ideias de seu antecessor, Bento XVI) a encíclica Lumen Fidei, “A Luz da Fé”, sua primeira encíclica.
Para
quem não sabe, encíclicas são documentos pontifícios – ou seja, produzidos
pelos papas – dirigidos aos bispos do mundo inteiro e, por meio destes, para os
fiéis. Por meio delas, o papa define a posição da Igreja Católica sobre um
determinado tema.
Com
a Lumen Fidei, Sua Santidade
basicamente nos diz que “a fé enriquece a existência humana em todas as suas
dimensões”. Por isso que a chamamos, em muitas ocasiões, de “a luz no fim do
túnel”. Quando a maré da vida muitas vezes está contrária aos nossos objetivos,
mesmo os menos ambiciosos, as pontadas de desespero nos atingem com força
suficiente para nos atordoar ou para nos conduzir a gestos extremos, como o
assassinato e o suicídio. É nessas horas que recorremos à Palavra, como esta
passagem encontrada em Tiago 1: 5-8:
“E,
se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá
liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada. Peça-a, porém, com fé;
não duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada
pelo vento, e lançada de uma para outra parte. Não pense tal homem que receberá
do Senhor alguma coisa. O homem de coração dobre é inconstante em todos os seus
caminhos”.
Não
é o caso do nosso bom Francisco. Cuja constância ocorre pela alegria que
certamente marcará seu Pontificado. E, por ter deixado que seu coração se
tornasse alegre e desprovido de espinhos para enfrentar os muitos problemas que
ainda grassam pelo Vaticano e acabam afetando as dioceses de maneira geral, como
um organismo doente, Jorge Mario Bergoglio tem tudo para realizar um bom
governo. Prova disso é a sua Lumen Fidei,
que transmite para todas as famílias mensagens de esperança quanto ao futuro –
mesmo nestes tempos de violência desmedida.
Ou,
nas palavras do papa Francisco, anotadas em sua encíclica inicial: “A fé nasce
no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos
precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construirmos solidamente a vida.
Transformados por este amor, recebemos olhos novos e experimentamos que há nele
uma grande promessa de plenitude e se nos abre a visão do futuro”.
Assinamos
embaixo, Sua Santidade.
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