sábado, julho 13, 2013

Conheça Lila Azam Zanganeh, a iraniana que virou musa da Flip

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Escritora bateu recorde de vendas com o livro “O encantador - Nabokov e a felicidade”

Lila Azam Zanganeh: assustada com o título de musa Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Lila Azam Zanganeh: assustada com o título de musaANA BRANCO / AGÊNCIA O GLOBO
RIO - Quando foi chamada de musa de Paraty, a escritora Lila Azam Zanganeh ficou com medo.
— Eu não sabia o que significava. Depois que me explicaram, eu perguntava por que me consideravam musa. Afinal, somos nós, os escritores, que precisamos delas — comenta Lila.
A iraniana de 36 anos, que fugiu para Paris aos 2 anos (“Peguei o voo com a minha mãe no dia que estourou a Revolução”), e que aos 20 escolheu NY para trabalhar (aos 23 anos já dava aula de Literatura e Cinema franceses em Harvard), bateu recorde de vendas com o seu livro “O encantador — Nabokov e a felicidade”, deixou homens e mulheres apaixonados (há quem diga que tenha sonhado com a moça), ganhou presentes (de chocolates e cartas até uma joia de um admirador mais ousado) e ainda mostrou que sabe cantar entoando “Trem das onze”, de Adoniran Barbosa, durante o bate-papo com Francisco Bosco na Flip. O segredo? Ela garante que são os olhos.
— Minha avó dizia que era a coisa mais importante na vida. O olhar sela uma troca, uma conexão. O segredo está nisso — ensina. — Além disso, sou eu mesma. Isso foi o que a minha mãe me alertou desde quando eu era pequena. Sigo esse conselho quase como se fosse algo espiritual.
Ela pode até não saber, mas é musa, sim. Daquelas que cativa pela simpatia e inteligência, tem um sorriso largo, sobrancelhas marcantes, que não precisa de maquiagem, apenas um lápis leve nos olhos, faz a própria trança no longo cabelo acobreado escuro, fala na altura certa, anda de salto nas pedras pé de moleque de Paraty, ou da orla do Rio, como alguém que caminha num piso lisinho, e que cruza as pernas longas e magras até enroscar.
— Acho cabeleireiro a coisa mais chata do mundo. E demora, não tenho tempo livre para gastar. Por isso sempre uso trança. É mais fácil, e perfeita para a umidade. Meu cabelo fica assim (imita uma juba de leão) se deixo solto. E, na verdade, não acredito nos produtos de beleza. Me arrumo em cinco minutos — admite ela, que tem uma tática para não comer besteira o dia todo: está sempre com um saquinho de castanha-do-pará na bolsa.
E ela ainda não se faz de difícil, algo típico das musas anteriores da Flip. Lila aceita todo o tipo de convite com empolgação. O nosso foi para, poucas horas antes de ela ir para o aeroporto, conhecer um tradicional botequim, o Jobi, no bairro que ela acha uma delícia, o Leblon. Alguma restrição alimentar? “Não”. Um chope? “Prefiro um suco para aproveitar o doce que só as frutas daqui têm”. Foram pedidos, então, os clássicos pastel de carne-seca, bolinho de camarão com catupiry e suco de abacaxi sem açúcar. Guardanapos de um lado, pimentinha do outro, o papo foi indo.
— Adoro a comida brasileira. A feijoada me lembra um prato clássico do norte do Irã. Durante a Flip, comi a moqueca vegetariana com palmito e banana do restaurante Banana da Terra. Tão boa que fui lá no dia seguinte e pedi a mesma coisa. Parecia criança com paladar infantil — conta, enquanto dá uma mordida no pastel. — Beber, não bebo muito. Tomei várias caipiroscas nessa viagem, mas nunca fico bêbada. Quer dizer, fiquei bêbada uma única vez na vida, foi de cachaça, na Lapa, há um ano.
Sem saber como explicar o sucesso arrebatador, ela tenta resumir tudo como um milagre. Difícil encontrar a palavra certa para descrever o frisson repentino de um livro que foi rejeitado repetidas vezes (ela ficou mais de três anos levando “nãos” e explicando que não queria escrever uma versão de Lolita iraniana, como pediam os marketeiros das editoras) virar best-seller da feira literária, e no embalo, alavancar a venda do livro de contos de Nabokov.
— O meu livro é esquisito, cada capítulo é uma ideia da felicidade de acordo com Nabokov, não imaginaria nunca esse sucesso. Achei o máximo que tenha alavancado também a venda do livro de contos dele — anima-se, avisando que a felicidade verdadeira está no olhar de quem vê. — No modo como levar a vida. É uma opção. Eu posso tanto ver esse lugar que estamos como algo cheio de carros, barulhento e poluído, ou uma mesa de botequim tradicional, cercada por árvores exóticas, e experimentando novidades. Decido por me maravilhar com tudo. Nabokov era assim.
Verdade. Quando seu Blackberry quebrou assim que chegou ao Rio, ficou sem poder acessar a internet e mandar mensagem. Teve que usar um celular antigo, que só faz ligação. Quase se desesperou. Antes chegar a esse ponto, pensou que seria maravilhoso, como “um presente do destino”, ficar sem um aparelho cheio de aplicativos. Está até pensando em aderir por um tempo a um celular sem internet.
— Nada é por acaso. Eu estava muito dispersa. Para ler ou escrever, preciso bloquear a internet, qualquer dúvida vira desculpa para pesquisar durante horas. Agora não vou poder nem checar pelo celular. Demoro muito para ler tudo que eu quero, não posso desperdiçar tempo — diz ela, que viaja com 20 ou 25 livros na mala. — Sei que não vou dar conta, mas é mania. Odeio tablets, gosto do espaço físico do livro, de anotar e guardar. São objetos de paixão.
Na mala de volta, duas aquisições brasileiras: “Barba ensopada de sangue”, de Daniel Galera, que conheceu em Paraty e adorou, e “Paisagem com dromedário”, de Carola Saavedra, com quem se correspondia, e que conheceu esta semana na mesa O GLOBO Pós Flip, na Livraria da Travessa.
— É sempre difícil escolher o que vou ler. É algo que pode ficar comigo um mês. Estou lendo textos relacionados ao Renascimento italiano, tema do meu próximo livro, mas acho sempre bom ler o que há de novo, de autores contemporâneos. O livro do Daniel é o primeiro de prosa em português que comecei a ler, estou adorando. Vou ler também os escritos pelo João Paulo Cuenca, que virou um amigo desde que nos encontramos no Hay Festival de Cartagena — conta a escritora, que estuda português desde fevereiro, treinando com um professor da USP, com o namorado brasileiro que conheceu em NY e lendo poesias.
Fechando a conta e voltando para a praia, ela respirou fundo a maresia, comentando que fazia bem para a saúde. Em seguida, cantou a canção “Desafinado”, apenas uma do seu repertório de MPB.
— “Meu comportamento de antimusical” é uma frase linda — declara Lila, que canta música clássica e ópera desde os 16 anos.
Na hora de tirar as fotos, ela fez um pedido: era para tomar cuidado com a sombra que seus cílios enormes fazem embaixo dos seus olhos — Ufa! Ela é gente como a gente.
— Podem ficar parecendo olheiras nas fotos.
Ao fim da sessão, ela se surpreendeu:
— Fico sempre tão feia em fotografias! Até meu fotógrafo americano comenta. Só nas que fiz no Brasil fiquei bem.
Pronto. Já tem desculpa para voltar.


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