sexta-feira, setembro 07, 2007

A FEBRE DE CABUL

Mariana Filgueiras
Primeiro, foram os terroristas de Cabul. Depois, os atentados de Cabul, os refugiados de Cabul. E vieram As pipas de Cabul (No Brasil chamado de O caçador de pipas), As andorinhas de Cabul, O livreiro de Cabul, que rendeu a resposta em primeira pessoa Eu sou o livreiro de Cabul, Mulheres de Cabul, Cabul no inverno. E os recentes A cidade do sol - uma versão feminina de O caçador de pipas - e O salão de beleza de Cabul. Lançados na mesma época, entre 2005 e 2007, os livros são um fenômeno editorial. O caçador de pipas vendeu 1, 3 milhão de exemplares no Brasil. A última moda literária antes desta, O código da Vinci, alcançou a marca de 1,5 milhão. O livreiro de Cabul segue o mesmo caminho de pedras preciosas.
O Oriente nunca esteve tão em alta na literatura. A reboque do sucesso da capital afegã, surgiram ainda 101 dias em Bagdá; Neve (sobre um golpe militar na Turquia), que deu o Prêmio Nobel a Orhan Pamuk; O atentado e As sirenas de Bagdá, ambos de Yasmina Kahdra (leia entrevista com o autor na página 2). A onda de Cabul é tão intensa que engoliu a próxima Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que começa no dia 13. A despeito dos homenageados, Ariano Suassuna e Gabriel García Márquez, e do tema da festa, "latinidade", os holofotes estarão voltados para os convidados de Cabul: Shah Rais, autor de Eu sou o livreiro de Cabul, e Deborah Rodriguez, de O salão de beleza de Cabul.
A febre literária tem explicações sugeridas num interesse crescente do Ocidente em relação ao outro, o Oriente. Principalmente depois do 11 de Setembro de 2001. O historiador Daniel Aarão Reis analisa:
- O Oriente, desde as mil e uma noites, e muito antes, sempre interessou os ocidentais, e nem sempre com bons propósitos. Edward Said já escreveu boas palavras a propósito (em 'Orientalismo', de 1978, o cientista formulou que, mais do que um conceito geográfico, o Oriente era uma invenção do Ocidente, sob o signo do exotismo e inferioridade). Atualmente observa-se, e novamente nem sempre com bons propósitos, um interesse crescente pelo Oriente. Que este interesse converta-se numa proposta de diálogo e compreensão, e não na formulação dos fundamentos de uma nova "cruzada", são os meus votos...
Apesar da premissa histórica, no entanto, as raízes do fenômeno editorial estão fincadas numa estratégia comercial agressiva. A partir do burburinho de O caçador de pipas, nos Estados Unidos, a Nova Fronteira enfeitou as vitrines brasileiras com pipas, distribuiu funcionários por livrarias com a missão de fazer os leitores "pegarem" no livro. A abordagem se estendia às praças e parques. Até em praias era preciso tomar cuidado com o cerol de Cabul - vendedoras, que só não usavam burca, entregavam o primeiro capítulo como brinde. Vieram os busdoor, outdoor, e o que mais pudesse dar a sensação de moda à leitura de Cabul. Os editores, no entanto, rejeitam a pecha:
- Essa onda de livros sobre o Oriente atrapalhou muito o Caçador, que foi trazido como um excelente romance, e acabou sendo relacionado com o fenômeno. Há livros e livros nesta onda. Quem consegue se manter no mercado, e quem só aproveita a leva. O Caçador levou um ano para atingir o topo da lista dos mais vendidos e consolidou-se mais pelo boca-a-boca - garante a gerente editorial da Nova Fronteira, Isabel Aleixo.
Com A cidade do sol, as estratégias foram ainda mais ousadas. A editora convidou os livreiros para escolherem a capa do livro, diante de duas opções. Depois, foram os próprios leitores que tiveram a chance, num site. E, três semanas antes do lançamento, foi aberta a pré-venda da obra, prática não usual no país. Em uma semana, foram vendidos 400 mil exemplares (dados da editora).
- Na verdade, todas as ondas literárias são bem-vindas. Hoje em dia, é muito difícil descobrir o que o leitor quer ler. A concorrência de outros meios que tomam o tempo da leitura é muito grande, internet, cinema, mp3. Quando se descobre o que o leitor quer ler, mesmo no meio de uma onda como esta, é ótimo - revê Isabel, comemorando o lançamento no Brasil do filme O caçador de pipas, o que deve alavancar ainda mais as vendas.
Editor de O salão de beleza de Cabul, Paul Cristoph diz que o livro é sobre a beleza, um tema universal. Especializada em livros de não-ficção, a editora Campus/Elsevier apostou na história de uma cabeleireira americana que abriu um salão de beleza em Cabul, preocupada com a feminilidade sob as burcas.
- Claro que uma onda é uma onda, e daqui a pouco não será mais interessante publicar livros sobre Cabul. Mas o choque de culturas é interessante. O mundo radical fascina, assusta. É uma procura natural - resume Cristoph.

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