quarta-feira, setembro 12, 2007

VERDADES E MENTIRAS EM TEMPOS DE GUERRA

Luiz de Alencar Araripe


Dentre as curiosidades que o Imperial War Museum de Londres oferece aos visitantes, está a inscrição na parede: "Em tempo de guerra, a verdade é coisa tão preciosa que deve andar sempre protegida por uma escolta de mentiras" - W. Churchill. Mais que em tempo de guerra. No caso dos serviços secretos, a escolta continua, muito depois de acabada a guerra, como bem mostra mostra a biografia Almirante Canaris: misterioso espião de Hitler, por Robert Bassett, um lançamento da editora Nova Fronteira.

O desempenho do tenente Wilhelm Canaris como oficial de inteligência do Dresden, no início da Primeira Guerra Mundial, permitiu ao cruzador movimentar-se pelo Pacífico Sul afundando navios e abastecendo-se de carvão em lugares imprevisíveis, para desespero da Royal Navy. A sorte do Dresden teve fim, e, encurralado pelos ingleses, ele se auto-afundou. O tenente separou-se de seus camaradas internados numa ilha chilena, fugiu, atravessou os Andes a pé e a cavalo - como señor Reed Rosas, viúvo chileno - e voltou à Alemanha. Em 1917-18 continuou um craque nas técnicas de gato-e-rato, dessa vez no comando de um submarino, arma que só admite voluntários e que sofre a maior porcentagem de morte na guerra.

Canaris, proficiente em seis idiomas, viajou pela América do Sul, pelo Mediterrâneo, pela Espanha, tratou com personalidades importantes, iniciou-se nas artes da negociação e da intriga internacional, e exercitou-se no prever as intenções do adversário e enganá-lo sobre as suas próprias, o que é o fulcro da atividade de inteligência e de seu ramo, a espionagem.

Tais competências, aliadas a sólido anti-comunismo, levaram Hitler a promover Canaris a almirante e a nomeá-lo chefe da Abwehr, a seção de inteligência do Alto Comando da Wehrmacht, subordinada ao general Keitel. O general, ao contrário do almirante, era fiel ao princípio prussiano da Kadavergehorsam, obediência de cadáver.

Com Reinhard Heydrich, o terrível chefe da SD-Sicherheitdienst, a seção de segurança da SS de Himmler, Canaris manteve relações quase paternais, que diferentes visões da vida transformaram em ódio. O assassinato de Heydrich em Praga "permanece mistério sem solução".

Bassett acompanha a admiração feita crescente desencanto de Canaris pelo führer, seu esforço para evitar a guerra (que pressagiara ser o finis Germaniae) e, mais tarde, para abreviá-la.

Nesses cometimentos, narra o autor, Canaris teve ligações com o chefe do Intelligence Service inglês, o famoso C - com o conhecimento de Churchill. Selvagemente torturado, sem que ficasse provada sua participação no atentado a Hitler do conde von Stauffenberg, mandado para um campo de concentração e condenado por alta-traição, Canaris foi enforcado um mês antes do fim da guerra. Por motivo oposto, excesso de fidelidade ao chefe, Keitel, sentenciado em Nuremberg, também terminou na forca.

Robert Basset não consegue evitar a armadilha da leniência para com o biografado, mas conserva-a em níveis razoáveis. E faz a própria defesa prévia, ao comentar que "o Almirante não era um santo". Canaris: misterioso espião de Hitler passa com louvor no teste final do bom livro: interrompida sua leitura para atender à rotina de uma vida pacata, o leitor anseia por voltar às aventuras e desventuras do bravo marinheiro e um dos mais competentes chefes de serviço de inteligência da história. E que, mais ainda, no dizer de Kipling, foi "um homem".

Nenhum comentário: