sexta-feira, maio 21, 2010

A liberdade de fazer mal a si mesmo

Lei antifumo e a Filosofia: onde está e
qual é o limite da liberdade de fazer mal a si mesmo?

Com a lei antifumo, o debate filosófico se instala: qual é o direito das pessoas, sabendo sobre os males do cigarro, de querer fumar mesmo assim? Qual o limite de uma pessoa que não ultrapassa o direito do outro?

Renato Janine Ribeiro

Tem o poder público direito a limitar a liberdade das pessoas de fumar, beber, em suma, de se fazerem mal, mesmo que elas queiram fumar, beber, fazer-se mal? Essa discussão reaparece sempre que uma medida legislativa coíbe o fumo ou a bebida. Vale a pena tentar esclarecer o que está em jogo.

Comecemos com uma distinção básica. Ninguém em sã consciência negará o direito – e mesmo o dever – do poder público a proibir o que faça mal a uma outra pessoa. A questão filosófica é se ele pode impedir que eu faça mal a mim mesmo. Essa distinção é fundamental porque, no debate sobre a lei seca (federal) e a lei antifumo (paulista), os dois assuntos foram constantemente confundidos.

Assim, se a lei proíbe uma pessoa com álcool no sangue de guiar, não a está impedindo de fazer mal a si mesma. Está dificultando que faça mal a outras pessoas. Essa lei, portanto, não entra no caso que estamos discutindo. Ninguém perdeu o direito de beber “até cair”, como dizia a canção de carnaval. O que não vale é guiar bêbado porque, assim, se pode ferir ou matar alguém.

Também a proibição de fumar em lugares públicos não é uma proibição de fazer mal a si mesmo. Ela impede que os não fumantes sejam convertidos, contra a vontade, em fumantes passivos. Continuo podendo escolher fumar, isto é, ser fumante ativo. Mas devo respeitar o direito dos outros a não fumar, ativa ou passivamente. Como a Ciência prova que a saúde piora já por aspirar a fumaça do cigarro alheio, isso está certo: o fumante pode fumar, mas não deve causar doenças em outras pessoas.

O DEBATE FILOSÓFICO. Onde está a proibição de fazer mal a si mesmo? Ela está numa justificativa que apareceu na lei proibindo a propaganda do fumo na televisão. Foi uma iniciativa do então Ministro da Saúde, José Serra, atacada porque impediria as pessoas de, livremente, escolherem se querem fumar – e, se quiserem, por que não poderiam causar mal a si próprias? Aqui, estamos no debate filosófico.

A questão é se eu, ciente de que uma droga (cigarro, bebida ou qualquer outra) me faz mal, posso escolher usá-la e abusá-la, desde que com isso não prejudique ninguém mais? Essa questão exige um comentário e uma pergunta.

O COMENTÁRIO: é difícil distinguir exatamente o que é fazer mal a si e ao outro. Fumantes e alcoólicos costumam ter mais doenças do que não fumantes e abstêmios. Por isso, eles usam a rede pública de saúde ou a de seu convênio mais que os outros. Mas pagam o mesmo que sua faixa etária. Suas despesas são maiores, e parte delas é financiada pelos outros. Esse é um assunto delicado, que talvez leve, no futuro, a calcular seguros de saúde pelo perfil do segurado – como já sucede com os carros, dado que rapazes de 18 anos pagam mais que senhoras de 40 anos, respectivamente a faixa que causa mais acidentes e a que causa menos. Esse é um exemplo da complexidade do assunto.

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