PARA JORNALISTAS, dias estressantes, tomados por acontecimentos inesperados -terremotos, blecautes, escândalos de corrupção -, são melhores do que aqueles em que parece que nada aconteceu. Policiais e bombeiros podem ir para casa mais descansados em dias assim. O editor da Primeira Página tem uma folha em branco, a vitrine do jornal, para preencher.
A parte mais dura é definir a manchete, promover um dos assuntos mornos para a posição de notícia mais importante. Alguns jornais não têm manchete diariamente (como o The New York Times), mas, na Folha, e nos seus concorrentes, ela é obrigatória.
Quando o jornal está no piloto-automático, pinça-se uma notícia de política ou de macroeconomia e o problema está resolvido. Um enunciado, de preferência com número (cresceu x%), faz as vezes de manchete sem chamar muita atenção.
Nos últimos tempos, é visível o esforço da Folha de fugir dessa fórmula. Cinco manchetes recentes giraram sobre assuntos que miravam o suposto interesse direto do leitor: poluição, conta telefônica, imposto de renda, violência e adoção por homossexuais.
A intenção de romper com a inércia é louvável, mas arriscada. No sábado, dia 24, a Folha alertou para o aumento da poluição por ozônio, mas esqueceu de mostrar as regiões da Grande São Paulo com os piores índices, como notou o leitor Sergio Moradei de Gouvêa, de Ubatuba.
Faltou o chamado "serviço". Bastaria remeter para o site da Cetesb, que traz medição feita de hora em hora (http://www.cetesb.sp.gov.br/ar/mapa-qualidade/mapa-qualidade-rmsp.asp).
Mas o erro maior, de avaliação, ocorreu na terça-feira, quando a violência no Guarujá foi alçada à manchete. A notícia era que o governo dos EUA soltou alerta para que turistas evitem algumas cidades da Baixada Santista por causa de assassinatos recentes.
Os fatos não justificam a escolha. Embora a situação no litoral seja preocupante, nada indica que essas cidades vivam caos semelhante ao de São Paulo em 2006, quando ocorreram os atentados do PCC.
A manchete mostra também incongruência da Folha: quando ocorreram as mortes, em 21 de abril, o jornal deu apenas uma chamada.
Quanto melhor o jornal, menos visceralmente dependente ele é do noticiário quente (aquilo que aconteceu no dia anterior). O ideal seria produzir diariamente uma reportagem exclusiva que pudesse ser manchete, mas não é isso o que acontece -na Folha nem em nenhum diário que eu conheça.
Enquanto não se atinge esse nirvana jornalístico, de noticiário comum a todos emoldurando uma manchete exclusiva, o melhor a fazer é não ceder ao óbvio. A Folha está certa no caminho que busca, só precisa acertar o passo.
Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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