Renato Janine Ribeiro
Já a pergunta filosófica sobre a liberdade é: será a pessoa realmente livre para escolher? As fábricas foram acusadas de incluir, no tabaco, elementos químicos que induzem à dependência. Nesse caso, é óbvio que o adicto não é um sujeito abstratamente livre, pois terá sido drogado.
No fundo, a questão da liberdade de fazer-se mal coloca frente a frente dois personagens: por um lado, um sujeito humano livre, que escolhe, a despeito das pressões, o que prefere; por outro, um conjunto de pressões – econômicas, sociais e até químicas – que influenciam sua ação, privando-o parcial ou totalmente da liberdade. Toda a questão está no equilíbrio entre um fator e outro.
Se der peso demais à liberdade individual, desprezarei os condicionamentos sociais. Se valorizar muito estes, a liberdade pessoal será um mito. Mas esses são dois extremos. Na prática, temos que ver caso a caso. Vejamos uns exemplos.
EXEMPLOS. O cigarro tem elementos químicos que induzem à dependência. Além disso, a propaganda já o associou à juventude, ao glamour e, espantosamente, até à saúde. Sabemos que é difícil parar de fumar. Daí que seja justo o poder público proibir a propaganda, impedir o acesso dos adolescentes ao fumo, questionar os elementos químicos que incitem à dependência e estudar o custo adicional para as redes de saúde. Mas, se tudo isso for acertado, quem quiser fumar e com isso não causar mal a outrem, que o faça.
Vamos complicar a questão da liberdade. Contarei uma história pessoal. Lecionei numa universidade norteamericana. Havia o mito de que o professor homem deveria evitar ficar sozinho numa sala com uma aluna, porque depois ela poderia acusá-lo de assédio sexual. Mas, quando recebi o manual de procedimentos da universidade, vi que relações românticas entre professores, funcionários e alunos não preocupavam a instituição. O manual dedicava maior espaço a casos em que um rapaz saía com uma moça, talvez disposto a uma aproximação romântica, entretanto transavam depois de se embriagarem. Às vezes, a moça se arrependia e reclamava que não escolheu livremente. As consequências podem ser ruins, para ela, se ficar com uma má lembrança – ou para ele, que eventualmente pode até ser expulso da universidade.
O que há em comum nos dois exemplos? Eu apenas quis mostrar que o formato da questão é igual. Posso dizer que tabagistas tanto quanto jovens fazendo amor escolheram livremente seus atos – ou que foram manipulados pela propaganda, o meio social, a euforia do momento... Ora, se o modelo da questão é análogo, é sinal de que não há resposta pronta para a pergunta. Depende de cada caso. Em certas ocasiões, é preciso proteger as pessoas, que só aparentemente são livres para escolher. Em outras, fazer isso é uma intromissão absurda na liberdade de cada um. Como estabelecer a fronteira?
Ou fast food. Sabe-se que faz mal. Deve ser proibida? Devem ser impedidas suas lojas de aliciar crianças com brindes? Deve-se permitir a atividade, mas retirando o glamour adicional e cativante? Tolerar sua ação incontrolada contra pessoas vulneráveis é insensato. Mas proibir as pessoas de escolher, a pretexto de não saber o que fazem, pode levar a um policiamento intolerável de nossas vidas. Em suma, o que podemos fazer aqui é apresentar argumentos. A escolha entre eles é sempre difícil. Mas quem disse que a Ética é coisa fácil?
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