terça-feira, novembro 20, 2007

Benedita: Brasil precisa de igualdade ética e racial

Angélica Paulo, Agência JB

RIO - Em 1933, o escritor e sociólogo Gilberto Freyre já confirmava, em seu livro “Casa Grande e Senzala”, que o Brasil é um país miscigenado por natureza e atribuía ao escravo uma importância ímpar e decisiva na formação do ser mais íntimo brasileiro.
Mais de 70 anos depois, infelizmente o país ainda continua segregando o negro, colocando-o, em grande parte, à margem da sociedade. Apesar de se auto-intitular um país sem preconceitos de credo ou cor, ainda é muito difícil ver negros em posição de chefia ou destaque, seja nas artes ou na política.
Aos sessenta e cinco anos, a secretária de Ação Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, é uma prova de que os negros podem e devem ter os mesmos direitos e deveres que as demais pessoas. Nasceu analfabeta, no Morro Chapéu Mangueira, no Leme, Zona Sul do Rio, vendeu limão e amendoim, foi operária fabril e entregava a roupa lavada e passada por sua mãe. Mais tarde, já alfabetizada, foi professora da escola comunitária da favela Chapéu Mangueira, adotando o método Paulo Freire de alfabetização de crianças e adultos.
Eleita senadora em 1994, foi a primeira mulher negra a conquistar o cargo no país. É autora do projeto que inscreveu Zumbi dos Palmares no panteão dos heróis nacionais; responsável pela criação de delegacias especiais para apurar crimes raciais; pela obrigatoriedade do quesito cor em documento; lei contra assédio e direito trabalhista extensivos às empregadas domésticas.
No dia em que se comemora o Dia da Consciência Negra em 267 municípios e 12 Estados em todo o país (projeto de sua autoria), Bené, como é mais conhecida no Rio, falou com exclusividade ao JB Online sobre racismo, conquistas e, principalmente, sobre a situação dos negros no Brasil, 109 anos após a princesa Isabel usar sua pena de ouro para assinar a Lei Áurea, que concedeu a liberdade a todos os escravos brasileiros.

JB Online: Para a senhora, qual é a importância de se ter um “Dia Nacional da Consciência Negra”?
Benedita: Essa data é importante para todos os brasileiros. É um resgate histórico da figura de Zumbi dos Palmares e poucos sabem que ele está inscrito no Panteão dos Heróis Nacionais, junto com nomes como Tiradentes. Zumbi é o herói da pátria e deve ser reverenciado. Além disso, esse dia significa um resgate da africanidade do brasileiro. É errado dizer que somos descendentes de escravos. Somos, sim, descendentes, mas de africanos.
A educação das crianças no Brasil deve levar em conta o ensino da África, de nossas raízes, de nossa história. Precisamos, concretamente, de políticas sociais que promovam a igualdade entre todos os brasileiros.
JB Online: A senhora acha que, ainda hoje, 109 anos após a assinatura da Lei Áurea, o Brasil ainda é um país racista?
Benedita: Infelizmente, ainda temos preconceito no Brasil, tanto racial quanto social. Apesar de serem maioria, os negros não têm as mesmas oportunidades na sociedade. Não somos negros porque somos pobres, somos pobres porque somos negros, infelizmente. O Brasil precisa, com urgência, de igualdade ética e racial.
JB Online: A senhora é conhecida pelas muitas conquistas em sua vida pública e particular. O fato de ser mulher e negra dificultou em alguma coisa?
Benedita: Costumo dizer que sou uma exceção que confirma uma regra. Sou uma das poucas mulheres negras, que, num curto período da história em que negros passaram a ter direitos, conseguiu conquistar algo. Por isso, posso me considerar uma mulher vitoriosa.

Infelizmente, no Brasil, quanto mais destaque o negro alcança, mais o racismo aumenta, e isso é incontestável. Por outro lado, as pessoas estão tendo mais informação sobre as leis, sabendo ouvir mais, tendo mais conhecimento dos direitos conquistados pelos negros. Há algum tempo atrás, manifestações sobre cotas em universidades para estudantes negros seriam impensáveis. Precisamos de medidas eqüitativas para que o negro possa ser inserido na sociedade, além de mais espaço para denunciar o racismo existente.

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