Eu não devia levar esse assunto tão a sério. Afinal
de contas, novela é trabalho de ficção,
produto inteiramente voltado ao entretenimento. Termina uma e logo esta é
esquecida pelo “grande sucesso” da temporada seguinte.
Mas
não posso deixar de comentar a grande enganação dos últimos tempos da televisão
brasileira. Refiro-me ao derradeiro último capítulo de “Avenida Brasil”.
Anticlímax
foi pouco. O autor do folhetim, João Emanuel Carneiro, depois de brindar seus
telespectadores (ou pelo menos os que foram capazes de percebê-los) com altas
referências literárias, tais como “O
Assassinato no Expresso do Oriente” para basear o mistério em torno da morte de
Max e “O Primo Basílio” para a chantagem que Nina/Rita exerceu sobre Carminha
durante os capítulos mais memoráveis da trama, no meu entendimento fracassou
por completo em surpreender ou mesmo chocar os milhões de brasileiros que
pararam a vida ontem (a primeira versão deste opúsculo tem como destino
primeiro as redes sociais) para acompanhar os momentos finais de um trabalho
que poderíamos considerar “muito bom” e que mobilizou (ou “desmobilizou”,
porque todo mundo ficou mesmerizado na frente da telinha por mais de uma hora)
esta nação de uma forma que apenas “Vale Tudo” foi capaz.
Contudo
e no entanto, a farsa do “oi, oi, oi” foi se revelando à medida que avançavam
os lances do capítulo final. Em primeiro lugar: que fim teve
Gepeto/Albieri/Santiago? O bandidão levou um tiro no pé, ficou à mercê de
Carminha... e depois? Foi preso? Teleportou-se de volta para os idílios
paradisíacos de “O Clone”? Não se sabe. Pode
ser que tenha sido preso. Talvez no “Vale a Pena a Ver de Novo” ou, daqui a
algum tempo, no Canal Viva alguém dê um jeito de informar o que aconteceu com o
vilão.
Em
segundo lugar, o ponto nevrálgico do engodo. Cármem Lúcia, por fim, se redimiu
de seus muitos pecados. A grande vilã, a adúltera, a mentirosa manipuladora que
não aguentava ficar perto da própria filha... terminou absolvida com a
“redenção”. Ora, o sr. Carneiro já havia sinalizado para essa possibilidade em
recente entrevista, na qual afirmara que colocaria sua Carminha “em um altar”.
Por esse motivo, resolveu transformá-la na grande heroína da trama, detendo o
“bandido verdadeiro” e salvando a vida de Nina/Rita em um par de ocasiões.
Coerente
com essa defesa apaixonada, ele não poderia ter feito outra personagem a
assassina de Max. Eles foram amantes, parceiros em diversos atos ignominiosos
contra o bovino Tufão e sua família, brigaram também violentamente quando as
circunstâncias exigiram o brusco rompimento – mas depois retornaram um para o
braço do outro porque dois corações vagabundos, de fato, se atraem. Até, é
claro, a ruptura definitiva, com o cocoruto do Max sendo arrebentado por uma
enxada pela representante do óbvio, que acabou ululando vitorioso.
Um
desassuntado, no Face, disse que o status quo cumpriu seu objetivo de vender o
produto “Avenida Brasil” do Oiapoque ao Chuí e que não deveríamos esperar “nada
de muito surpreendente”. Pois confesso que aguardava essa surpresa, senhoras e
senhores. Queria que o Max tivesse sido morto pela Olenka, por exemplo, desde
que tivesse uma baita justificativa para tanto. Qualquer um, menos a Carminha.
Menos o que estava na cara que ia acontecer. Porque o autor mostrou durante os
2.627 capítulos da novela que tinha condições de deixar todos nós em polvorosa,
discutindo e debatendo até agora (são quase 16h de sábado enquanto massacro o
teclado do computador com estas indignações) como ele teria sido capaz de se
transformar no escritor de folhetins eletrônicos mais importante de todos os
tempos da televisão brasileira se tivesse decidido dar o salto de fé em nome da
ousadia.
Mas
não. O sr. João Emanuel Carneiro seguiu o padrão global do “tudo bem está
quando bem acaba”. Nina/Rita, Jorginho e o pimpolho que geraram no fim
sentaram-se à mesa, no fim das contas, tomando café com a mesma criatura que,
até recentemente, tanto odiaram. Ainda bem que Tufão não foi capaz de perdoar
Carminha. Para ele, apenas dois gestos benignos jamais apagariam uma vida
inteira de pusilanimidades. Porque é isso mesmo o que acontece na vida real.
Uma pessoa passa quase toda a existência cometendo todos os males possíveis.
Mais lá na frente, muda do vinagre para a água benta – se converte, aceita
Jesus no coração e tenta praticar somente boas ações, se possível até o fim da
vida. O problema é que com frequência ninguém
está disposto a esquecer o crime de que foi vítima. E a vingança tarda, mas
não falha.
Não
vou comentar o absurdo do “Adauto Chupetinha”. Trata-se de um episódio
lamentável, que era para ter sido engraçado e acabou se tornando digno de pena.
De
resto, devo tirar o chapéu que nem mesmo uso: de farsa em farsa, a Rede Globo
tem a população brasileira nas mãos. Para fazer com ela o que bem quiser.
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