sábado, outubro 20, 2012

A FARSA DO “OI, OI, OI”


Eu não devia levar esse assunto tão a sério. Afinal de contas, novela é trabalho  de ficção, produto inteiramente voltado ao entretenimento. Termina uma e logo esta é esquecida pelo “grande sucesso” da temporada seguinte.
            Mas não posso deixar de comentar a grande enganação dos últimos tempos da televisão brasileira. Refiro-me ao derradeiro último capítulo de “Avenida Brasil”.
            Anticlímax foi pouco. O autor do folhetim, João Emanuel Carneiro, depois de brindar seus telespectadores (ou pelo menos os que foram capazes de percebê-los) com altas referências literárias, tais como  “O Assassinato no Expresso do Oriente” para basear o mistério em torno da morte de Max e “O Primo Basílio” para a chantagem que Nina/Rita exerceu sobre Carminha durante os capítulos mais memoráveis da trama, no meu entendimento fracassou por completo em surpreender ou mesmo chocar os milhões de brasileiros que pararam a vida ontem (a primeira versão deste opúsculo tem como destino primeiro as redes sociais) para acompanhar os momentos finais de um trabalho que poderíamos considerar “muito bom” e que mobilizou (ou “desmobilizou”, porque todo mundo ficou mesmerizado na frente da telinha por mais de uma hora) esta nação de uma forma que apenas “Vale Tudo” foi capaz.
            Contudo e no entanto, a farsa do “oi, oi, oi” foi se revelando à medida que avançavam os lances do capítulo final. Em primeiro lugar: que fim teve Gepeto/Albieri/Santiago? O bandidão levou um tiro no pé, ficou à mercê de Carminha... e depois? Foi preso? Teleportou-se de volta para os idílios paradisíacos de “O Clone”? Não se sabe. Pode ser que tenha sido preso. Talvez no “Vale a Pena a Ver de Novo” ou, daqui a algum tempo, no Canal Viva alguém dê um jeito de informar o que aconteceu com o vilão.
            Em segundo lugar, o ponto nevrálgico do engodo. Cármem Lúcia, por fim, se redimiu de seus muitos pecados. A grande vilã, a adúltera, a mentirosa manipuladora que não aguentava ficar perto da própria filha... terminou absolvida com a “redenção”. Ora, o sr. Carneiro já havia sinalizado para essa possibilidade em recente entrevista, na qual afirmara que colocaria sua Carminha “em um altar”. Por esse motivo, resolveu transformá-la na grande heroína da trama, detendo o “bandido verdadeiro” e salvando a vida de Nina/Rita em um par de ocasiões.
            Coerente com essa defesa apaixonada, ele não poderia ter feito outra personagem a assassina de Max. Eles foram amantes, parceiros em diversos atos ignominiosos contra o bovino Tufão e sua família, brigaram também violentamente quando as circunstâncias exigiram o brusco rompimento – mas depois retornaram um para o braço do outro porque dois corações vagabundos, de fato, se atraem. Até, é claro, a ruptura definitiva, com o cocoruto do Max sendo arrebentado por uma enxada pela representante do óbvio, que acabou ululando vitorioso.
            Um desassuntado, no Face, disse que o status quo cumpriu seu objetivo de vender o produto “Avenida Brasil” do Oiapoque ao Chuí e que não deveríamos esperar “nada de muito surpreendente”. Pois confesso que aguardava essa surpresa, senhoras e senhores. Queria que o Max tivesse sido morto pela Olenka, por exemplo, desde que tivesse uma baita justificativa para tanto. Qualquer um, menos a Carminha. Menos o que estava na cara que ia acontecer. Porque o autor mostrou durante os 2.627 capítulos da novela que tinha condições de deixar todos nós em polvorosa, discutindo e debatendo até agora (são quase 16h de sábado enquanto massacro o teclado do computador com estas indignações) como ele teria sido capaz de se transformar no escritor de folhetins eletrônicos mais importante de todos os tempos da televisão brasileira se tivesse decidido dar o salto de fé em nome da ousadia.
            Mas não. O sr. João Emanuel Carneiro seguiu o padrão global do “tudo bem está quando bem acaba”. Nina/Rita, Jorginho e o pimpolho que geraram no fim sentaram-se à mesa, no fim das contas, tomando café com a mesma criatura que, até recentemente, tanto odiaram. Ainda bem que Tufão não foi capaz de perdoar Carminha. Para ele, apenas dois gestos benignos jamais apagariam uma vida inteira de pusilanimidades. Porque é isso mesmo o que acontece na vida real. Uma pessoa passa quase toda a existência cometendo todos os males possíveis. Mais lá na frente, muda do vinagre para a água benta – se converte, aceita Jesus no coração e tenta praticar somente boas ações, se possível até o fim da vida. O problema é que com frequência ninguém está disposto a esquecer o crime de que foi vítima. E a vingança tarda, mas não falha.
            Não vou comentar o absurdo do “Adauto Chupetinha”. Trata-se de um episódio lamentável, que era para ter sido engraçado e acabou se tornando digno de pena.
            De resto, devo tirar o chapéu que nem mesmo uso: de farsa em farsa, a Rede Globo tem a população brasileira nas mãos. Para fazer com ela o que bem quiser.

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