No sábado passado, à noite,
chegou ao fim uma novela memorável.
Tenho
lá ressalvas quanto ao principal produto da mídia eletrônica brasileira voltado
para o entretenimento. Tanto quanto o futebol, a novela é um instrumento das
classes dominantes utilizado no sentido de manter a população num estado tal de
abstração que a impede de discutir os muitos e variados problemas nacionais.
Mas
devo reconhecer que gostei de “Gabriela”.
Em
primeiro lugar, claro, por ter se baseado em uma das obras-primas de Jorge
Amado. De todos os nossos escritores, acredito eu que tenha sido o único a
declarar seu amor à sua terra natal – a Bahia. Como esquecer deste excelente
começo de “Capitães da Areia”: “A grande noite de paz da Bahia veio do cais,
envolveu os saveiros, o forte, o quebra-mar, se estendeu sobre as ladeiras e as
torres das igrejas. Os sinos já não tocam as ave-marias que as seis horas há
muito que passaram. E o céu está cheio de estrelas, se bem a lua não tenha surgido nesta
noite clara”.
Em
segundo lugar, com os atores escolhidos para o elenco de “Gabriela”, a novela
não tinha como dar errado. Só um terrível acesso de incompetência do diretor
para atirar na lata do lixo atuações impecáveis de Laura Cardoso (o “Jesus,
Maria, José” de Dona Doroteia virou hit), José Wilker (que também ganhou o país
com o seu “Eu vou lhe usar”), Antônio Fagundes e Ary Fontoura.
Quando
o folhetim começou, como tudo que é novidade, foi visto com imensas
desconfianças. Eu ouvia muito isto, proferido por um representante da velha
guarda: “Ah, os artistas estão muito
longe dos que fizeram a primeira versão”. Posso até concordar. A Zarolha de
1975 era ninguém menos que Dina Sfat. O papel de Gerusa – recém-encarnado pela
belíssima Luiza Valdetaro – foi dado para Nívea Maria. A cara cínica e safada
de Tonico Bastos ficou muito melhor em Fúlvio Stefanini.
Como
último exemplo, temos a personagem-título.
Ainda
há pouco, encontrei um site (umdiasereidiva.blogspot.com.br) que mostra os
donos dos papéis de maior destaque da novela da década de setenta e a que
terminou de acabar. Em primeiro lugar, lógico, aparecem as fotos de Juliana
Paes e de Sônia Braga. Penso que, enquanto a atuação da primeira ainda
reverberar na memória, a pergunta não calará: Juliana portou-se bem como Gabriela?
Entendo
que não. Desde os primeiros anúncios do remeique pensou-se que os responsáveis
por ele iriam apostar em “sangue novo”. Alguma atriz morena, belíssima, cravo e
canela da gema, totalmente inédita. Mas não. Escolheram Juliana. Que é linda por
demais, sem dúvida... mas cujo corpo – depois de ter passado pelo processo do
parto e da amamentação – não fazia jus à sensualidade inerente à Bié de Jorge
Amado. E depois ela nem de longe se destacou. Leona Cavalli mandou muito
melhor, com muito mais intensidade. E ainda abiscoitou a capa e o recheio da
“Playboy”. Talvez a direção da Globo nessa área de telenovelas tenha preferido
não arriscar, não apostar no ineditismo. Às vezes, time que está ganhando
precisa de peças de reposição.
Mas
no cômputo geral a “Gabriela” versão 2012 deu certo. Teve vários momentos de
brilhantismo, como o encontro dessas três bandeiras da televisão brasileira –
Tarcísio Meira, José Wilker e Antônio Fagundes – em uma mesma cena. Mas também
teve lá seus instantes de canastrice inverossímil, como os motivos que levaram
Mundinho Falcão a se atrasar, enquanto os jagunços o esperavam do lado de fora
de sua residência e o coronel Ramiro morria no centro da praça principal de Ilhéus.
A
Rede Globo trabalha bem com novelas. E quando produz algo em cima das obras de
Jorge Amado, esse trabalho flui com impressionante facilidade. Por isso, o
mestre de “Jubiabá” e “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água” deve ser homenageado
todo. E ficar vivo em nossas memórias o tempo que for preciso.
NEY
FARIAS CARDOSO
Revisor
de O Estado
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