segunda-feira, outubro 29, 2012

VIVA JORGE AMADO!


No sábado passado, à noite, chegou ao fim uma novela memorável.
            Tenho lá ressalvas quanto ao principal produto da mídia eletrônica brasileira voltado para o entretenimento. Tanto quanto o futebol, a novela é um instrumento das classes dominantes utilizado no sentido de manter a população num estado tal de abstração que a impede de discutir os muitos e variados problemas nacionais.
            Mas devo reconhecer que gostei de “Gabriela”.
            Em primeiro lugar, claro, por ter se baseado em uma das obras-primas de Jorge Amado. De todos os nossos escritores, acredito eu que tenha sido o único a declarar seu amor à sua terra natal – a Bahia. Como esquecer deste excelente começo de “Capitães da Areia”: “A grande noite de paz da Bahia veio do cais, envolveu os saveiros, o forte, o quebra-mar, se estendeu sobre as ladeiras e as torres das igrejas. Os sinos já não tocam as ave-marias que as seis horas há muito que passaram. E o céu está cheio de estrelas, se bem a lua não tenha surgido nesta noite clara”.
            Em segundo lugar, com os atores escolhidos para o elenco de “Gabriela”, a novela não tinha como dar errado. Só um terrível acesso de incompetência do diretor para atirar na lata do lixo atuações impecáveis de Laura Cardoso (o “Jesus, Maria, José” de Dona Doroteia virou hit), José Wilker (que também ganhou o país com o seu “Eu vou lhe usar”), Antônio Fagundes e Ary Fontoura.
            Quando o folhetim começou, como tudo que é novidade, foi visto com imensas desconfianças. Eu ouvia muito isto, proferido por um representante da velha guarda: “Ah, os artistas estão muito longe dos que fizeram a primeira versão”. Posso até concordar. A Zarolha de 1975 era ninguém menos que Dina Sfat. O papel de Gerusa – recém-encarnado pela belíssima Luiza Valdetaro – foi dado para Nívea Maria. A cara cínica e safada de Tonico Bastos ficou muito melhor em Fúlvio Stefanini.
            Como último exemplo, temos a personagem-título.
            Ainda há pouco, encontrei um site (umdiasereidiva.blogspot.com.br) que mostra os donos dos papéis de maior destaque da novela da década de setenta e a que terminou de acabar. Em primeiro lugar, lógico, aparecem as fotos de Juliana Paes e de Sônia Braga. Penso que, enquanto a atuação da primeira ainda reverberar na memória, a pergunta não calará: Juliana portou-se bem como Gabriela?
            Entendo que não. Desde os primeiros anúncios do remeique pensou-se que os responsáveis por ele iriam apostar em “sangue novo”. Alguma atriz morena, belíssima, cravo e canela da gema, totalmente inédita. Mas não. Escolheram Juliana. Que é linda por demais, sem dúvida... mas cujo corpo – depois de ter passado pelo processo do parto e da amamentação – não fazia jus à sensualidade inerente à Bié de Jorge Amado. E depois ela nem de longe se destacou. Leona Cavalli mandou muito melhor, com muito mais intensidade. E ainda abiscoitou a capa e o recheio da “Playboy”. Talvez a direção da Globo nessa área de telenovelas tenha preferido não arriscar, não apostar no ineditismo. Às vezes, time que está ganhando precisa de peças de reposição.
            Mas no cômputo geral a “Gabriela” versão 2012 deu certo. Teve vários momentos de brilhantismo, como o encontro dessas três bandeiras da televisão brasileira – Tarcísio Meira, José Wilker e Antônio Fagundes – em uma mesma cena. Mas também teve lá seus instantes de canastrice inverossímil, como os motivos que levaram Mundinho Falcão a se atrasar, enquanto os jagunços o esperavam do lado de fora de sua residência e o coronel Ramiro morria no centro da praça principal de Ilhéus.
            A Rede Globo trabalha bem com novelas. E quando produz algo em cima das obras de Jorge Amado, esse trabalho flui com impressionante facilidade. Por isso, o mestre de “Jubiabá” e “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água” deve ser homenageado todo. E ficar vivo em nossas memórias o tempo que for preciso.

NEY FARIAS CARDOSO
Revisor de O Estado

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