sábado, janeiro 28, 2012

A MILÉSIMA POSTAGEM

Pelé fez seu milésimo gol no dia 19 de novembro de 1969. O segundo do Santos sobre o Vascão, em um Maracanã em que não havia lugar para mais ninguém.
Romário marcou o milésimo dele pelo Trem-Bala da Colina em São Januário no domingo, 20 de maio de 2007.
Hoje, 28 de janeiro de 2012, um vascaíno convicto alcança a marca (para ele histórica) de 1.000 postagens em seu blog "Diário da Ilha".
Este meu recanto na rede mundial de computadores vai comemorar cinco anos em abril. Devo admitir que em matéria de blogs fui meio que um "Maria vai com as outras", porque tanto ouvi a respeito do milagre da multiplicação de páginas pessoais na Internet que resolvi fazer o meu.
Como jamais fui uma "pessoa pública", sequer uma dessas tais "subcelebridades", raros foram aqueles que dispuseram seus comentários a respeito de algo que eu tivesse colocado aqui - produções minhas próprias particulares e informações recolhidas na rede.
Não que isso vá me fazer "deitar na BR" - lembrando agora da letra de um forró de grande sucesso. Por mais que me acusem de ser um sem-ambição, tenho muito mais a ganhar na condição de ilustre desconhecido.
Não há ninguém, por exemplo, para patrulhar meus escritos. Um indivíduo famoso tem mais essa preocupação de se policiar quando vai colocar o que pensa em seu blog, no Twitter, no Facebook ou no Orkut.
O que importa mesmo é escrever. E a minha primeira postagem, no já distante abril de 2007 (ano em que perdemos o brilhante Raimundo Martins, então editor de capa de O Estado), foi justamente um conto ou um esboço de conto, cujo título era "Adeus, de novo"- que ora reproduzo:

ADEUS, DE NOVO

A viagem foi um pesadelo de oito horas. Chovia muito e por duas vezes o ônibus saiu da estrada. Nas duas ocasiões, esteve a ponto de capotar, e foi um verdadeiro milagre ninguém ter sofrido lesões graves.
Outro aspecto terrível dessa dantesca odisséia foram os muitos carros e corpos destroçados que os passageiros viram ao longo da odisséia dantesca. Houve um caso, antes de chegarem a Arari, no qual cinco automóveis pegavam fogo ao mesmo tempo. Duas senhoras, de idade avançada, vomitaram quando viram oito cadáveres dilacerados pelas chamas.
Sentado próximo ao motorista do ônibus, Daniel Mendes não deixou de comentar que em momentos como esse fica muito difícil aceitar a existência de Deus. Uma das senhoras que colocara para fora sua última refeição indignou-se e, nem bem refeita da tragédia que testemunhara, indignou-se.
- Como o senhor pode dizer um absurdo desse? - vociferou. - Nós acabamos de escapar duas vezes da morte certa! Se Deus não nos ajudou, que explicação me dá para o que aconteceu com a gente?
O professor Daniel Mendes, 38 anos, tinha uma resposta na ponta da língua, mas preferiu guardá-la para si. A verdade era que, após a morte de Luciana, desfez de um golpe tudo o que relacionava o casal a Deus Nosso Senhor e aos santos dos quais eram devotos. Queimou livros de orações, as coleções de hinos religiosos, a Bíblia que deixavam aberta na mesa da sala no começo do Evangelho de São Mateus, as imagens de São Judas Tadeu, de São Jorge com o dragão, de Nossa Senhora do Carmo, de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora das Dores. Por último, quebrou em pedaços bem miúdos uma impressionante imagem do Cristo Crucificado, em tamanho natural, para a qual construíram uma capela no quintal e diante da qual passavam pelo menos uma hora em orações contritas após o almoço e o jantar, todo santo dia.
Não deu nem tempo a si mesmo de digerir o abrupto rompimento com os desígnios divinos. Foi até o Terminal Rodoviário e comprou uma passagem para São Bento. Porque foi o primeiro município sobre o qual alguém falou, ao chegar à rodoviária. Não conhecia o lugar. Tampouco tinha parentes que lá residissem. Tudo o que queria era ir para bem longe, para alguma cidade que significasse para ele a terra do esquecimento, onda ñão teria mais que pastorear seus rancores, sua raiva, sua mágoa, sua tristeza e, mais importante, a saudade, que parecia não ter limites.
No dia seguinte, apareceu na rodoviária às seis da manhã - que era o horário de saída do ônibus, marcado no bilhete. Imaginou o que pensaria o diretor do colégio da rede particular quando soubesse que seu professor de língua portuguesa, literatura brasileira e redação não desse as caras às sete horas na escola, e na raiva que o homem teria de engolir quando soubesse que Daniel não trabalharia para ele nunca mais. Daniel deu de ombros. "Que vá para o inferno", murmurou. Em seguida, entrou no ônibus. Nesse momento, o céu tornou-se cor de carvão, o ribombar do trovão sacudiu a Ilha e os ventos gelados apavoraram os bentivis em seus beirais carcomidos pelo descuido crônico de uma Prefeitura de merda.
Não houve mais percalços pelo resto da viagem demente. Mas a chuva continuava quando ele colocou os pés na cidade que desconhecia por completo e na qual haveria de viver até o fim de sua residência na terra. Não se sentia cansado. Podia muito bem suportar o peso de suas duas grandes malas, sob o temporal, enquanto procurava uma pousada provisória, a partir da qual procuraria seu castelo definitivo.
Antes de começar sua caminhada, soltou um longo suspiro e disse para o céu enfarruscado:
- Mais uma vez adeus, minha querida Luciana. Você morreu, mas é a minha vida que deve continuar. Sinto muito mesmo.Em seguida, movendo o pé direito, deu início à última aventura de sua vida.

Pois é. Agora, daqui até a postagem 2.000.
Se Deus assim quiser e permitir.
Um abraço!

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