terça-feira, janeiro 17, 2012

O ARTILHEIRO-ZAGUEIRO

Zagueiro-artilheiro o futebol sempre teve. O mais conhecido consagrou-se na temporada passada: o ilustre Dedé, do Gigante da Colina.

Já o inverso, o artilheiro-zagueiro, é mais complicado aparecer. Mas aparece.

O nome dele era Antônio Carlos. Para seus companheiros no Sampaio Corrêa Futebol Clube, ele atendia pelo simpático apelido de Toniquinho. Porque já conheciam o pai dele como Tonico.

Toniquinho tinha 17 anos e nascera para fazer gols. Parecia até uma grande ironia dos desígnios divinos, porque seu Tonico, como árbitro de futebol, aparentemente nascera para impedir a bola de estufar as redes – de tão incompetente enquanto regente máximo de tantas partidas ocorridas no campo do Nacional, lá na Cidade Operária. Quem lhe entregava o apito e os cartões podia se preparar para vê-lo se embananar com impedimentos equivocados ou com pênaltis inventados, nos quais o atleta que recebe a falta é derrubado a léguas da grande área. E ainda havia a questão da grande quantidade de faltas. Um jogador sequer podia esbarrar em outro sem querer, e seu Tonico trilava o apito, marcando a milésima faltinha desnecessária.

Pois o filho dele aprendera rapidamente, desde o sub-13 do JP (sua primeira equipe) que não existe essa história de “gol feio”. Feio é não fazer o gol. E ele o fazia. O time podia até perder, mas o menino mantinha sua impressionante frequência de balançar as redes adversárias pelo menos duas vezes. É claro que esse talento não podia ficar anônimo por muito tempo. Olheiros do Sampaio foram mais rápidos que os do Maranhão Atlético Clube e o levaram para o Centro de Treinamento José Carlos Macieira. Isso depois de uma decisão de um torneio realizado no campo do Nacional, em que o garoto detonou: marcou logo quatro gols e, literalmente, foi para a galera.

Já no Sampaio, a situação dele meio que mudou do vinho para o vinagre. Continuou fazendo seus gols, mas num ritmo menos intenso. Em algumas partidas, por exemplo, passava em branco. E às vezes levava algumas broncas de seu treinador porque simplesmente não participava das jogadas de ataque se a bola não lhe era passada. Mas o pior mesmo aconteceu na Copa São Paulo de Juniores.

A partida contra o Americano, do Rio, estava muito difícil. Até os 35 do segundo tempo, o empate por um 1 x 1 persistia no placar. Ambas as equipes necessitavam da vitória para avançarem às oitavas de final. Piorava a situação a verdadeira tempestade que despencara no estádio da Rua Javari aos 15 minutos da etapa inicial. O aguaceiro transformou o gramado em pasto, e os garotos não sabiam se chutavam a bola ou arrancavam a pontapés enormes blocos de lodo.

Aos 35 minutos, bola alçada à grande área do Sampaio. O goleiro Mateus, com seu quase 1,80m de altura, gritou, confiante todo: “É minha!”. Um segundo depois, quando viu a bola dentro de seu gol e ouviu a gritaria da comemoração dos meninos do Americano, deve ter pensado: “Era minha”.

O gol obrigou a equipe boliviana a ir para cima, de qualquer maneira. Tonico acertou a trave adversária aos 40 minutos. Pouco depois, mandou um petardo de fora da área, e o goleiro do Americano fez uma grande defesa, mandando a bola para escanteio.

Até Mateus foi para a grande área. Jorginho se encarregou do tiro de canto. Cobrou. Mateus ficou plantado. A bola estava mais para o outro goleiro. Mas este não viu nem a cor da pelota enlameada. Ela sobrou prontinha para o cabeceio de Toniquinho. Por sua vez, este deve ter dito a si mesmo: “Agora eu si consagro”. Mas por um cruel capricho, em vez de mover a cabeça para a frente, moveu-a para trás. A bola acertou-lhe a nuca e sobrou para o tiro de meta.

Depois disso, o Americano administrou a partida e ficou com a vaga. Ao Sampaio e a Toniquinho restou a lição: muitas vezes, os deuses que regem o futebol podem ser muito caprichosos.

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